segunda-feira, 25 de maio de 2015

Trilhas do interior

Ontem participei de uma trilha bem legal e uma das constatações interessantes que eu mais dois conterrâneos tivemos foi de que, na nossa infância num lugarejo do interior, andar muito em estradas vicinais não era chamado do trilha.
De fato trilha e estradas vicinais não são a mesma coisa, mas possuem algo em comum: os atrativos naturais, o distanciamento da vida urbana e as dificuldades de um percurso precário. Isso significa que, entre uma e outra há apenas o diferencial do turismo, do interesse em desenvolver uma atividade turística para que as estradas vicinais sejam também trilhas para o povo da cidade.
Cresci indo à roça com meu avô e subindo morro  em trilhas de gado, era o máximo - meu avô teve o azar de demorar para ter neto e eu tive a sorte de ser a mais velha e ganhar o bônus de ser sua companheira. Também percorria à pé com minha avó, estradas vicinais  que nos levavam ao sítio de um tio avô (irmão dela) e às muitas propriedades em que meus tios trabalharam (seus filhos). Eu sempre gostei: do caminho, do silêncio e da paisagem. Até hoje me recordo do cheiro de eucalipto da estrada que vai para o sítio do Serginho. Lembro também que praquelas bandas há uma lenda de ouro enterrado no meio da mata; acho que quando alguém vai procurar pelo tesouro, um saci ou um curupira faz com que os aventureiros percam o caminho - não sei direito mais. 
Além das trilhas acompanhadas de meus avós, percorri algumas outras atrás de rios e cachoeiras na adolescência: o verão em Santa Isabel é como o inverno, intenso. E tome perna pra andar, mas a gente ia ( eu e meus amigos), porque valia o prêmio, o banho e as companhias. Houve também o tempo das cavalgadas; atividade de que não participei muito, porque não tinha animal, mas era bom também.
Bem, posso passar horas listando as atividades que uma pessoa criada na roça faz sem saber que é lazer, ou pensando que é falta de lazer. Quando se cresce no interior, tem-se a impressão de que não há nada a fazer para animar os dias ali. E com isso, quem ganha o retorno financeiro são os bares. É! Na roça a única opção de lazer é sentar num bar e beber com os amigos. E quem não bebe - uma raridade na cultura do interior - tem que ir à missa, ou ao culto, pra ver gente, ou  ver TV,ou ... se gostar de ler, pode ter essa opção (era a minha). Aos que não podem beber, legalmente, a melhor atividade é passar umas horinhas na praça com os amigos, conversando, fofocando e... namoriscando. Ainda bem que agora tem internet: uma salvação para a falta do que fazer na roça.
Fonte da imagem: Arquivo pessoal.
Essa cultura cega de não valorizar o potencial do interior vem de longe: desde a época do declínio do café nenhum município que foi grande produtor se recuperou fortemente.Veio o exôdo rural e a partir daí o campo deixou de ser interessante - ao menos no sul fluminense. A cidade, centro comercial, portanto nicho do consumo, passou a ser a grande detentora do lazer: porque se não puder ser comprado, não tem valor, portanto, não é nada, nem lazer; mesmo as atividades gratuitas têm um custo, geralmente o poder público, paga por elas para que sejam oferecidas gratuitamente à população.
Partindo da perspectiva de consumo e da lei da oferta e da procura, eu penso que já é hora do interior se organizar fortemente para desenvolver atividades culturais e de turismo a aprtir de sua vocação. Santa Isabel, não tem a seresta de Conservatória, nem é a menina dos olhos do distrito sede, como é Ipiabas para Barra do Piraí. Mas é para seus moradores um lugar precioso, de imenso valor. Então eu pergunto: onde estão as trilhas de Santa Isabel, as fazendas cafeeiras de lá, as cachoeiras e corregos balneáveis em que as pessoas se banham no verão? Onde está essa vocação turística que ninguém ganha dinheiro com isso (ou pouquíssimas pessoas)? Para tanto não é preciso ter uma cadeia de hotéis e pousadas, nem mesmo restaurantes. Hoje em dia, as pessoas da cidade só querem passar umas horinhas fora daquele turbilhão. Uma trilha, um almoço típico, uns minutinhos no curral tentando tirar leite das vaquinhas, já bastam pra essa gente estressada descansar. E paga-se bem por isso, mas é preciso vontade e organização, já que não carece de altos investimento. 
Eu vejo, no lugar em que me criei, um grupo de jovens muito conscientes dessa vocação da terrinha, e espero que eles promovam essa revolução - faço minha mea culpa de filho pródigo, porque não contribuo para essa mudança, mas sei escrever... 
Penso, que já é hora de parar de olhar pro campo e ter pena dele, porque não pôde virar cidade. A hora de mudar é agora, e para que a roça seja melhor, ela só precisa ter consciência de quem ela é. 

G.C.A, 25 de maio de 2015.

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