segunda-feira, 7 de março de 2016

Educamos nossas meninas para a solidão

Tenho refletido há algum tempo sobre a educação que é dada às meninas.  Já de início peço que não generalizem as colocações que aqui serão feitas, em contrapartida peço que não ignorem que isto é algo muito comum.
Bem, já testemunhei de atos de agressão contra uma mulher jovem, bonita, que trabalha e é só isso que sei dela. Dirão vocês: “você não fez nada”. Não, eu não fiz, porque devo ter tido os mesmos medos que ela tem.
Sempre que coloco isso pras pessoas a primeira a ser julgada é a moça: “ela gosta”, “por que é que ela não larga ele”... Estas são só algumas das máximas que conhecemos a respeito de mulheres que apanham. Eu, do alto da minha inércia, já tento ver as coisas de uma forma mais profunda. Penso: que educação essa moça recebeu?
Comecei a pensar nisso quando assisti ao filme Lovelace, sobre a ex-atriz pornô Linda Lovelace, que fora aliciada pelo marido a entrar na indústria dos filmes adultos, além de sofrer outras agressões (físicas e psicológicas) do esposo. No filme, o que mais me marcou, foi quando a atriz procurou pela mãe e esta fez vista grossa, apenas disse a Linda que aquele era seu marido e que ela deveria voltar para casa. Por isso faço essa reflexão sobre como nossas meninas são educadas.
Penso que a moça que sei sofrer violência deve ter recebido o mesmo tipo de educação que a ex-atriz pornô. Considerando a época e as circunstâncias, é triste pensar que a forma como preparamos as meninas para a vida não mudou muito.
Muitas de nós podem dizer que fomos criadas para estudar e trabalhar, eu ao menos posso dizer isso. Mas sou olhada como um ser deficiente por não ter a tiracolo um homem a quem recorrer quando preciso de amparo. E é aí que está a questão: que mulher nunca se sentiu extremamente sozinha no mundo ao se deparar com situações difíceis. A família pode até te amparar, mas faz isso sempre pensando que, caso você estivesse sob a responsabilidade de um homem, aquela tarefa não seria mais dela (a família), ou quando o problema for o homem, sempre surgem questões sobre como você (mulher) não soube lidar com a situação. Quantas mulheres não se sentem obrigadas a se virarem sozinhas, porque aqueles que as criaram já passaram a bola da segurança delas. Se você é só (solteira), você está só, se você tem um companheiro, é só com ele que você pode contar e, se você não pode contar com ele, adivinhe: você está só novamente.
Penso então que é essa educação para a solidão que faz com que muitas mulheres permaneçam por muito tempo junto ao seu agressor. De nada importa que a mulher seja bonita, trabalhadora – a ponto de ser independente, e estudada se ela foi educada para se sentir só.
E pergunto: alguém quer ser só? Somos seres sociais, as pessoas com força bastante para seguir uma vida só – com seus próprios meios – são extremamente rebeldes, e mesmo elas às vezes jogam a toalha.
A solidão não está em estar sozinho, mas em sentir-se só. E ela é mais feroz quando se percebe que apesar de haver pessoas a sua volta, você não pode contar com elas, ou mesmo não deve se expor para elas. Isso é feroz para homens e para mulheres, mas no nosso caso, é isso que nos leva a continuar sendo agredidas, a deixar que se apossem de nossa dignidade e nos façam sentir menores e inferiores; é essa educação que diz que a mulher deve ceder, aceitar, permanecer e nunca se rebelar...
Fonte da imagem: http://drihsantos14.blogspot.com.br/2011/04/talvez-vou-viver.html
 Do contrário, o que levaria uma jovem da cidade, cheia de informação, com formação, boa família e bons amigos a aceitar ser agredida pisco e fisicamente pelo namorado? Por que as meninas precisam deixar transparecer que suas vidas seguem perfeitas e em paz, quando se sabe que a realidade não é essa? Ou mesmo, por que tantas mulheres voltam a viver sob o mesmo teto que seu agressor depois de tê-lo denunciado?
É preciso fazer mais por nós, por nossas meninas. É preciso alertá-las de que o ser humano é só, mas não precisa ser solitário; é preciso dizê-las que há vida segura e feliz sem que haja um homem a seu lado; é preciso assegurá-las de que não é direito do homem agredi-las de maneira nenhuma e que se isso ocorrer ela deve se rebelar, se levantar contra isso. É preciso que elas saibam que podem de fato contar com alguém, que podem contar para alguém e que uma mulher não deve ser pacífica senão em situação de paz.
É preciso educar bem nossas meninas, para que elas saibam dos seus direitos, de seu valor. É preciso que saibamos que não somos obrigadas a aceitar, mas destinadas a escolher, a determinar o rumo de nossa história e que para isso sempre haverá segurança, seja de pessoas próximas ou estranhas.

Angra dos Reis, 07 de março de 2016.
Uma reflexão adiantada para o dia internacional da Mulher.