quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Tratamento de índio

 Hoje vi um casal de índios almoçando num restaurante. O restaurante é caseiro, particularmente, adoro a comida de lá, embora o peixe de hoje estivesse mal temperado. Mas o que importa é que dois índios estavam lá almoçando.
A cena me tocou. Me tocou porque me incomoda ver outras cenas com índios e já reclamei disso para alguns. 
Em Angra como em Paraty, os índigenas vêm diariamente às ruas vender seu artesanato. As peças são lindas e faça chuva - e por aqui faz muita - ou faça sol, lá estão eles, majoritariamente elas, muitas vezes com uma cria agarrada ao peito, vendendo sua arte. Isso é bonito: vê-los, observá-los trabalhando e saber que eles são parte dessa terra, é mesmo lindo.
O que me causa incômodo é justamente o momento da refeição. No horário do almoço é comum ver indiozinhos e indiazinhas indo às portas de restaurante buscar sua quentinha, parece ser doação. Eles recebem sua comida na porta do estabelecimento e saem para comer sentados no chão. Geralmente é o papelão usado como base para pôr a quentinha que lhes serve de talher. Essa cena é muito triste. Parece que por aqui os índigenas são população de rua.
Uma vez eu disse "eles não são mendigos, são artesãos". Porque é forte demais vê-los tratados como sujeito indesejado pelas portas das comedorias a fora. 
   Fonte da Imagem: https://www.flickr.com/photos/francinetefroes
E é por isso que ver o casal de índios sentados à mesa, comendo sem pressa uma comida que claramente estava sendo servida a todos os outros clientes me tocou. 
Ao contrário do que nosso subconsciente aprendeu a pensar, índios são pessoas, não animais da terra. E tratá-los com a civilidade que aprendemos dos europeus não significa aculturá-los. 
A campanha pelo dia da consciência negra do governo diz que o lugar do negro é onde ele quiser, como negra, sei das dores da esclusão e da necessidade de se tratar da questão. Mas não podemos nos esquecer dos povos indígenas; aqueles que costumamos chamar de os donos da terra. 
Cuidar para que as conquistas sociais já alcançadas no país sejam também
consquistas para os povos indígenas é nosso dever de brasileiro. E isso pode começar com um ato de gentileza que é servi-los digninamente

Angra dos Reis, 18 de novembro de 2015.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Sobre a vida dos outros

Fonte da imagem:http://www.recantodasletras.com.br
/trovas/5205045
Olhando a vida dos outros, encontro soluções para tudo. Sei como reagir a cada situação adversa que encontrar no meu caminho, porque tenho uma tábua de exemplos e experiências dos outros para serem aplicados à minha realidade.

Ironias a parte, não se pode negar que é este o papel da literatura: contar uma história, através da qual seus leitores possam refletir sobre aquela realidade. A vida dos outros, embora descontextualizada para nós, acaba sendo um livro a ser refletido. Digo descontextualizado porque, por mais que entendamos e conheçamos a vida do outro, o contexto de vida dele é sempre mais subjetivo que objetivo; não é como os romances, em que os autores podem delimitar tempo, espaço e realidade histórico-social.

Bem, faço uso dessa contextualização toda para falar da vida dos outros que eu gosto de observar. Eu tento ser, por personalidade e por disciplina, diferente das pessoas que observo; não diferente das qualidades, mas diferente dos defeitos: carências, covardias, resignações...
Eu tenho as minhas – carências, covardias e resignações, mas travo uma batalha dia após dia, para não adquirir aquelas que vejo claramente nos outros.

Uma dessas muitas batalhas é travada para garantir que as pessoas me tratem, a mim – na minha frente ao menos – com respeito. É o mínimo que se pode esperar dos outros. Obviamente, que vocês pensarão: ‘é dando que se recebe’, sim! Isso é uma verdade! Mas nem sempre. Às vezes é com um pouquinho de ignorância que se conquista um pouco de respeito.
Comigo as pessoas devem ser, ao menos, gentis, cordiais, e se não forem aprenderão a ser. Ou relações serão cortadas: esse também é um jeito de conquistar respeito. É preciso ter ciência, convicção, de que respeito é um direito-dever. E não um privilégio de ricos, autoridades e homens. Esse último então...

Ah, meninas! Não deixem que os homens lhes ofereçam menos que respeito. É um direito-dever deles também. Eles merecem ter ,não porque são homens, mas porque são gente; mas  têm a obrigação de dar a quem quer que seja, e a nós, mulheres também. Os gurus do relacionamento dizem que numa relação a dois é preciso ceder um pouco, mas grande parte dessa cessão vem da mulher- é o que se verifica por aí. Isso é falta de respeito, uma relação a dois – seja amorosa ou não – deve ser baseada na igualdade, e se um cede demais, para o bem do outro, esse mesmo um está sendo desrespeitado.

Então, meninas do meu coração, não deixem que eles sejam desrespeitosos: exijam que eles apóiem seus sonhos, respeitem suas relações outras, respeitem sua inteligência e seu corpo. Nada corta mais o meu coração que ver amigas e conhecidas se diminuindo só para que seus homens se sintam mais confortáveis. Alguns dirão: ‘é uma escolha delas’. Mas que escolha é essa, em que eu não posso ser eu, não posso sonhar com o que quero ser, só porque o outro precisa se sentir melhor em relação a mim? Eu não acredito num mundo assim, se ele fosse bom, muitas mulheres não teriam se revoltado desde sempre.

E o que isso tem a ver com a vida dos outros... Bem, eu vi isso dias atrás, e vejo isso vez por outra acontecer com pessoas próximas, não me julguem: pois já fiz a minha parte, já conversei. Mas como dito, as razões pelas quais as pessoas escolhem permanecer nisso é sempre mais subjetiva que o contexto pode mostrar.

Angra dos Reis, 21 de julho de 2015.


sexta-feira, 10 de julho de 2015

Festa da Padroeira

Fonte da imagem: facebook/santaisabelreformada
É chegada a hora de arrumar a casa, encontrar velhos amigos e reviver várias histórias. É tempo de festa, festa de Santa Isabel.

Todos os anos isabelenses e amantes do distrito esperam ansiosamente pelo mês de julho, que com ele traz a festa da padroeira. É um momento de celebração em família. Não só da família em que se nasce, mas também da família que reside, ou residiu, num lar que tem por nome Santa Isabel do Rio Preto.

As meninas vestem suas melhores roupas (de frio), os meninos preparam suas melhores aventuras, e os adultos... Ah os adultos! Estes redobram forças para lembrar suas melhores histórias de passado, para que possam compartilhar e rememorar com os conterrâneos dispersos em cidades da região e de todo o Brasil.

A festa da Padroeira, embora em tempo de inverno, traz consigo o calor do aconchego que se recebe ao chegar a casa, do abraço do amigo distante, dos novos causos que a vida traz e do doce calor dos reencontros.

Não é exagero pensar que um isabelense abre mão de qualquer programa por um final de semana da festa, pois para ele o mundo encontra-se ali, naquele belo lugarejo onde o passado está guardado e pleno de boas lembranças. Para muitos estrangeiros, Santa Isabel é só mais uma “cidadezinha qualquer” – de Drummond. Mas para um isabelense, Santa Isabel é a capital do mundo, lugar em que tudo se pode encontrar: preciosos ovos caipiras, doces delícias das avós e, claro, valiosas e inesquecíveis amizades de infância.

Então, se você estrangeiro não compreende a inquietação que toma o coração de seu colega isabelense nesses tempos de julho, tome a estrada e siga para o distrito de Santa Isabel do Rio Preto, no dia 13 de julho. Não se acanhe, será bem-vindo, pois só assim será capaz de experimentar e compreender a magia da Festa da Padroeira.

Texto de 2013

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Aos menores o menor: espaço, direito, respeito...

A discussão a respeito da redução da maioridade penal tem tomado conta dos assuntos de cafézinho por aí, seja por meio de discussão proposta pelos meios de comunicação, seja através de conversas 'espontâneas' que surgem entre pessoas que se reunem.  O fato é que, ontem em sessão plenária na Câmara Federal, o texto que pretendia reduzir a maioridade para crimes hediondos não passou. Não sendo aquele o texto original, a discussão continuará em torno do assunto, já que agora a proposta é reduzir a maioridade para todos os crimes. 

Mas em meio a toda essa discussão, o que mais me chama a atenção nisso tudo é a capacidade que as pessoas têm tido de olhar o assunto como um problema induvidual e não social, as pessoas dizem que se a maioridade não for reduzida o sentimento de impunidade vai continuar... Mas meu Deus! A impunidade atinge muito mais aos maiores que os menores, e mais, a punidade atinge muito mais às camadas mais baixas da sociedade que as altas. 

Ninguém quer enxergar que só vai para a cadeia e nela fica, o coitado que não tem quem o defenda exclusivamente num tribunal. Aquele que pode pagar por um bom advogado continuará usando das brechas da lei para se manter longe das grades. Não será diferente para o filho dessa mesma gente que pode se defender. 

O menor infrator que comete grandes crimes é sim privado de sua liberdade e jogado em presídios, porque é isso que essas instituições de ressocialização são: ora mais humanas, ora menos, mas são prisão. E não deve haver nada mais desolador para um jovem cheio de energia, desejos e sonhos, que estar privado de sua liberdade. Sim, eles têm sonhos, embora saibam que a sociedade espera e trabalha para que seus sonhos se frustrem e que eles sejam só aquilo que a maioria dessa gente reacionária espera que eles sejam: menores infratores. 

O menor infrator é produto criado por essa sociedade de consumo, em que o pai não consegue mais explicar ao filho que é impossível  ganhar salário mínimo e equipar a casa e as pessoas da casa com todos os eletrônicos que há aí para serem adquiridos por todos. É fácil dizer que é falta de responsabilidade dos pais, que eles têm de educar seus filhos de acordo com sua realidade, mas as pessoas se esquecem de que vivemos numa nova época, na qual os estímulos pelo prazer imadiato são incessantes; criamos chocólatras, workaholics, shopaholics...  todos esses 'aholics' são desenvolvidos para manter viva a sociedade de consumo.

Fonte da Imagem: http://desacato.info/destaques/
estudantes-fazem-blitz-no-congresso-
contra-a-reducao-da-maioridade-penal/
 Há 15 anos atrás eu ainda compreendia o que era falta de dinheiro, porque fui ensinada a entender minha realidade, mas sobretudo porque não houve naquela época internet e televisão forte o bastante para contradizer a educação que recebi.

Dizer que o Estado erra por não prover uma educação suficientemente boa para que esses jovens sem perspectivas escolham o caminho mais digno é ser redundante, sim o Estado falha, mas falha também o pai que desobedece a orientação da professora de pré, que num bilhetinho solicita aos responsáveis para que não mandem seus filhos à escola com brinquedos fora do dia, muito menos com brinquedos caros. Essa gente que pode se mostrar para aqueles que têm menos, são os primeiros a condenar os menores pela cobiça, mas não fazem sua mea culpa pela vaidade. 

As pessoas se esquecem de que o mundo, da maneira que aí está, fora criado e que , ao contrário do que muitos pensam, não fora sempre assim. Somos gado, levados a seguir o caminho traçado pela cerca, e ensinamos a nossos menores que assim deve ser. Portanto, não  se deveria querer que o menor do outro, o menor pobre e sem condições sólidas para transformar sua história, deva ser punido por querer ter como os outros menores que se expoem por aí. 

É fácil dizer que cometer um crime é uma escolha, mas não há escolha quando as condições são únicas. É fácil esquecer a depressão que agride às pessoas justamente por não poderem ter o que lhes é oferecido o tempo todo, por não poder ser o que é lhes cobrado a todo tempo... Porque a depressão é uma doença de ricos incompreendidos; o pobre que trabalha, que fica desempregado e que recebe os mesmos estímulos que o rico incompreendido não tem direito de se deprimir, de se revoltar e de querer ter o que aparentemente todos têm... 

O menor pobre não tem direito... porque as leis que punem e impunem são sempre aplicadas às mesmas pessoas.


quinta-feira, 25 de junho de 2015

Português para leigos

As aulas de Linguística me ensinaram que todo falante de Língua Portuguesa conhece a Língua Portuguesa, me ensinaram também que em relação à língua não deve haver juízo de valor; mas esse conhecimento só tem quem frequenta a academia e quem se interessa pelo assunto de maneira livre, ou seja, desprovida de preconceitos. Digo isso porque, sendo todos os falantes de língua conhecedores de seu idioma, não é raro ouvir conversas especializadas a esse respeito, mas ao contrário do que deveriam, essas conversas são carregadas de ideias pré-concebidas.

O professor de língua é sempre requerido para solucionar problemas gramaticais, mas nunca problemas de cunho sociológico, e isso representa uma grande perda para as discussões, já que não há fato mais social que a língua, a linguagem, a comunicação. Ao falar de língua no Brasil - acredito que em todos os países que herdaram uma língua de outra pátria, mas não posso afirmar - as pessoas geralmente têm dois objetivos: resolver problemas gramaticais, como já dito, e criticar a fala do brasileiro. Ah, mas não é de todo brasileiro! Só se critica a fala do brasileiro mambembe, o brasileiro de origem europeia deve ser excluído da crítica.
Fonte da imagem: http://www.mundolusiada.com.br/cultura/
seminario-no-rio-aborda-cidades-capitais-do-antigo-imperio-portugues/

Pois bem, vou chover no molhado, mas vou falar! A Língua Portuguesa é uma só, e ela é a língua falada em Portugal, mas mesmo assim, nas terras d'além mar ela sofre muitas variações. No Brasil se fala o Português Brasileiro, assim como em Moçambique há o Português Moçambicano, em Cabo verde o Cabo-verdeano, e por aí vai. E não diferente da Língua Portuguesa, ou Português de Portugal, o Português Brasileiro sofre suas variações, estruturais, lexicais e pasmem: sociais!

Sim, a língua varia socialmente! Porque ela  reflete a sociedade na qual ela é falada. Um exemplo disso tive essa semana. Leciono no Estado do Rio em uma comunidade reduto de nordestinos, por isso minha sala de aula é riquíssima em variação regional: baianos, pernambucanos, paraibanos, maranhenses: um mundo. Bem, passei uma atividade de escrita à classe e ao término dela, corrigi a de cada aluno. Um deles, do Pernambuco, fez uso de uma estrutura um tanto inadequada para a linguagem escrita, embora não houvesse incorreção ortográfica. Eu olhei, reolhei, e quis corrigir a estrutura selecionada pelo rapaz, mas não pude, porque eu sabia que ali havia uma marca regional que eu não podia tirar dele, e ninguém pode. Pois bem, expliquei a ele, que não corrigiria os termos, por saber ser traço regional, mas pedi que ele atentasse para o fato de que em documentos formais ele deveria evitar essas marcas; o rapaz é muito sábio e de fato sabe fazer essa diferença, por isso confiei a ele a decisão de seleção....

As histórias são muitas, mas para não me prolongar - olhem o uso dos meus pronomes - gostaria muito que as pessoas soubessem que não há no Brasil um Português melhor que o outro. Não ponham o Sul nas alturas e os mano de São Paulo no chinelo, a língua falada é uma digital social, que gramática nenhuma pode remover de seu falante. Sim: a escola tem seu papel de ensinar a língua formal, a adequação da linguagem de acordo com a situação e a ortografia, na qual erro sempre será erro, mas devemos evitar esse pedantismo de querer ser Português de Portugal ou uma cópia fiel dele. 

Somos brasileiros e devemos, reconhecer, falar e respeitar a nossa língua, sem descréditos!

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Quando eu morrer...

Outro dia ouvi pessoas falando sobre como esperam que sua morte seja cuidada. Algumas diziam que a morte deve ser uma celebração: "não quero ver ninguém chorando, quero uma festa"; outras diziam que preferiam um enterro rápido, não desejavam ser veladas por muito tempo, para não prolongar o sofrimento dos que ficaram. Bem, a esse respeito, só uma coisa é certa, ninguém pode saber como sua morte será tratada; salvo aquelas pessoas muito organizadas que deixarão tudo encaminhado para que seu último desejo seja cumprido; mas mesmo assim, se as circunstâncias da morte fugirem ao natural e ao esperado, é certo que as vontades póstumas serão ignoradas.
Fonte da imagem:http://www.csaolucas.com.br/noticia_detalhe.php?id=653
Eu já pensei na minha morte, concordo com aquelas pessoas que afirmavam não querer um velório longo: também acho que é prolongar o sofrimento. Mas no dia em que ouvi as colocações daquelas pessoas, parei e pensei: a cerimônia fúnebre não deve ser sobre quem morre, mas sim sobre os que ficaram. Eles devem decidir sobre a melhor maneira de homenagear aquele ente que se foi.
Se você inspirou alegria aos seus e espera que seu memorial seja celebrado como uma festa, pouco importa, já que aqueles que cuidarão de suas exéquias poderão pensar que uma homenagem póstuma tradicional, formal e religiosa seja a melhor forma de respeitar o que você foi em vida. O mesmo é válido para o pensamento oposto: às vezes você foi alguém que pouco da vida aproveitou e por isso seus chegados optarão por fazer uma festa, que você nunca pôde viver, mas que eles gostariam de te dar de presente.
Quanto ao choro, é bobagem pedir que as pessoas evitem-no, porque o choro na morte é algo cultural. Se morrer, tem de chorar por aquele que vai; seja por saudade, por remorso, culpa, seja por tristeza, felicidade, pena, ou, por chorar.... como o contágio de bocejar, nos velórios se chora por ver os outros chorando também.
Esses pensamentos são válidos, partindo do princípio de que haverá quem organize, celebre e presencie sua morte, porque se você for uma pessoa só, tudo isso será suprimido com uma vaga solução mecânica da funerária responsável, houver uma.
Por tudo isso, parei de querer ter "memórias póstumas". Que decidam os meus sobre o que eles precisam fazer por mim nos momentos finais de minha estada sobre a terra.  Porque o que vale é pensar na vida, pensar em não ser um morto-vivo; pois só podemos decidir sobre como queremos viver!

G.C.A., 15 de junho de 2015

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Trilhas do interior

Ontem participei de uma trilha bem legal e uma das constatações interessantes que eu mais dois conterrâneos tivemos foi de que, na nossa infância num lugarejo do interior, andar muito em estradas vicinais não era chamado do trilha.
De fato trilha e estradas vicinais não são a mesma coisa, mas possuem algo em comum: os atrativos naturais, o distanciamento da vida urbana e as dificuldades de um percurso precário. Isso significa que, entre uma e outra há apenas o diferencial do turismo, do interesse em desenvolver uma atividade turística para que as estradas vicinais sejam também trilhas para o povo da cidade.
Cresci indo à roça com meu avô e subindo morro  em trilhas de gado, era o máximo - meu avô teve o azar de demorar para ter neto e eu tive a sorte de ser a mais velha e ganhar o bônus de ser sua companheira. Também percorria à pé com minha avó, estradas vicinais  que nos levavam ao sítio de um tio avô (irmão dela) e às muitas propriedades em que meus tios trabalharam (seus filhos). Eu sempre gostei: do caminho, do silêncio e da paisagem. Até hoje me recordo do cheiro de eucalipto da estrada que vai para o sítio do Serginho. Lembro também que praquelas bandas há uma lenda de ouro enterrado no meio da mata; acho que quando alguém vai procurar pelo tesouro, um saci ou um curupira faz com que os aventureiros percam o caminho - não sei direito mais. 
Além das trilhas acompanhadas de meus avós, percorri algumas outras atrás de rios e cachoeiras na adolescência: o verão em Santa Isabel é como o inverno, intenso. E tome perna pra andar, mas a gente ia ( eu e meus amigos), porque valia o prêmio, o banho e as companhias. Houve também o tempo das cavalgadas; atividade de que não participei muito, porque não tinha animal, mas era bom também.
Bem, posso passar horas listando as atividades que uma pessoa criada na roça faz sem saber que é lazer, ou pensando que é falta de lazer. Quando se cresce no interior, tem-se a impressão de que não há nada a fazer para animar os dias ali. E com isso, quem ganha o retorno financeiro são os bares. É! Na roça a única opção de lazer é sentar num bar e beber com os amigos. E quem não bebe - uma raridade na cultura do interior - tem que ir à missa, ou ao culto, pra ver gente, ou  ver TV,ou ... se gostar de ler, pode ter essa opção (era a minha). Aos que não podem beber, legalmente, a melhor atividade é passar umas horinhas na praça com os amigos, conversando, fofocando e... namoriscando. Ainda bem que agora tem internet: uma salvação para a falta do que fazer na roça.
Fonte da imagem: Arquivo pessoal.
Essa cultura cega de não valorizar o potencial do interior vem de longe: desde a época do declínio do café nenhum município que foi grande produtor se recuperou fortemente.Veio o exôdo rural e a partir daí o campo deixou de ser interessante - ao menos no sul fluminense. A cidade, centro comercial, portanto nicho do consumo, passou a ser a grande detentora do lazer: porque se não puder ser comprado, não tem valor, portanto, não é nada, nem lazer; mesmo as atividades gratuitas têm um custo, geralmente o poder público, paga por elas para que sejam oferecidas gratuitamente à população.
Partindo da perspectiva de consumo e da lei da oferta e da procura, eu penso que já é hora do interior se organizar fortemente para desenvolver atividades culturais e de turismo a aprtir de sua vocação. Santa Isabel, não tem a seresta de Conservatória, nem é a menina dos olhos do distrito sede, como é Ipiabas para Barra do Piraí. Mas é para seus moradores um lugar precioso, de imenso valor. Então eu pergunto: onde estão as trilhas de Santa Isabel, as fazendas cafeeiras de lá, as cachoeiras e corregos balneáveis em que as pessoas se banham no verão? Onde está essa vocação turística que ninguém ganha dinheiro com isso (ou pouquíssimas pessoas)? Para tanto não é preciso ter uma cadeia de hotéis e pousadas, nem mesmo restaurantes. Hoje em dia, as pessoas da cidade só querem passar umas horinhas fora daquele turbilhão. Uma trilha, um almoço típico, uns minutinhos no curral tentando tirar leite das vaquinhas, já bastam pra essa gente estressada descansar. E paga-se bem por isso, mas é preciso vontade e organização, já que não carece de altos investimento. 
Eu vejo, no lugar em que me criei, um grupo de jovens muito conscientes dessa vocação da terrinha, e espero que eles promovam essa revolução - faço minha mea culpa de filho pródigo, porque não contribuo para essa mudança, mas sei escrever... 
Penso, que já é hora de parar de olhar pro campo e ter pena dele, porque não pôde virar cidade. A hora de mudar é agora, e para que a roça seja melhor, ela só precisa ter consciência de quem ela é. 

G.C.A, 25 de maio de 2015.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Morte aos 27!



Diz a lenda que as estrelas, muito loucas, não resistem aos 27. Janis, Kurt e Amy são algumas das personalidades que não resistiram a essa idade maldita pelos astros. Mas por quê?  Até o momento não há explicação plausível. Até o momento, porque tendo eu sobrevivido a eles, vou tentar elucidar os fatos.
Bem, as experiências podem parecer pessoais, mas talvez, muitos vinteessetões tenham passado por algo parecido, e se fossem estrelas, regidas pela vaidade de ser mais, de ser melhor, também não teriam resistido.
Aos 27 descobri as dores. Sim elas apareceram! E com toda força! A coluna ruiu e não aguentou as 40 horas semanais passadas em cadeiras mal reguladas. Foi dor pra todo lado, e não há nada mais desencorajador que as dores. E sendo a coluna a estrutura central e crucial do corpo humano, às vezes dá pra pensar em desistir da vida; pois se ela dá sinais de falência aos vinte e sete, o que será dessa estrutura central aos 54?!
Fonte da Imagem:https://icommercepage.wordpress.com/2011/07/25
/celebridades-que-morreram-aos-vinte-e-sete-anos/
Mas o pior ainda está por vir. Pode haver algo pior que os arroubos dolorosos de sua coluna? A resposta é: sim! Porque dor chama dor; e nem sempre a dor companheira é física, ela pode ser emocional, e esta meu bem, é insuportável. E palavras como dor e insuportável dispostas num mesmo sintagma aos 27, não é legal, mas sim, pode ser letal.
As dores emocionais fazem parte da vida de toda pessoa, mas há fases em que elas podem ficar convenientemente ocultas, contudo quando uma dor física aparece estas outras despertam, infernizam mentes e influenciam as ações do corpo enfermo. Eis a casa do perigo! Corpo débil, mente perturbada, vida violada!
Também aos vinte e sete, descobri os óculos, sim a partir de agora está atestado que em determinadas situações não posso mais ver claramente sem a ajuda das lentes. É estranho pensar que nosso principal canal de comunicação com o mundo fora de nós mesmos já apresenta defeitos; e isso traz medo. Medo de não ser capaz de poder ver as coisas como elas são. E medo, aos vinte e sete parece tão covarde, que nos esquecemos de que nada do que vemos é definitivamente real.
Parecer covarde numa época em que a perfeição deve ser atingida antes dos trinta é frustrante; pois os vinte sete nos aproximam da idade da pressão, e essa pressão vem aliada aos defeitos recém-descobertos. Aí está outra receita de chá de ruína.
É! Sentir dor e perder a capacidade de enxergar aos poucos torna as pessoas mais frágeis, e nem sempre é possível lidar com tais atrofias, porque elas escancaram que nada em nós é eterno: nem a voz, nem a beleza, nem a postura, nem a visão, tampouco o vigor. E isso... Bem, isso me fez mais sólido: porque viver a par da realidade é bem mais proveitoso. Alguns não resistem a isso, mas eu resisti! E tem sido bom!!!

22 de maio de 2015.
G.C. A

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Gente feia



Tenho ido a muitos lugares ultimamente e reparado uma mudança de clima. Não sei se me faço entender, mas restaurantes bares e boates não são mais como antes: aconchegantes e intimistas. Parece haver uma popularização dos espaços, que, me desculpem, não é legal.
Há bem pouco tempo atrás não era preciso selecionar muito os espaços em que eu gostaria de ser visto e associado, um barzinho mais refinado ali, um bom restaurante acolá e as boates com nome e marca eram de fato coisa para poucos. Bons tempos!
Fonte da Imagem:
 http://novaslistas.com.br/atualidades/2990-proibido-acessar-essa-lista
De uns tempos pra cá, parece que a todo lugar que eu vou, sou obrigado a me desvencilhar de uma gente diferenciada, como dizem os Jardins de São Paulo, e que aqui no Rio preferimos chamar de gente feia: o que de fato é. Né?! Acho que todos concordam. Pois essa gente acha que só porque pode comprar isso ou aquilo de uma grife melhorzinha, já pode estar em todos os lugares. Foi-se o tempo em que Dolce&Gabbana, Givenchy, Channel e outras marcas eram produtos para gente sofisticada. Agora se você, como eu, quer ter algo realmente diferenciado, precisa suar muito para comprar algo realmente exclusivo, ou para ter acesso a festas mais privé, por assim dizer.
O fato é que, tenho observado meu custo de vida social se tornar absurdo, já que não sou obrigada a conviver com essa gente feia. Por isso a escolha tem sido: selecionar mais e sair menos, porque ninguém aguenta pagar muito mais por lazer do que se pagava, até porque qualquer um agora pode bancar um “camarote de dois mil reais” e dividir por dez pessoas. Em outros tempos, isso não era uma pechincha, mas atualmente não é nada! Deve ser isso a tal desvalorização da moeda, não é?!
Enfim, as pessoas não gostam de falar, mas eu não me importo! Todo mundo pode tudo agora! E gente como eu fica sem opção. Havia festas, festivais e destinos que eram exclusivos de determinados públicos e que agora não são mais. Eventos como a FLIP, em Paraty, que tem um público muito específico – ou pelo menos tinha – agora têm estado repleto de gente estranha. Gente que nunca sequer abriu um livro indo a uma festa literária! Faça-me um favor! Espero que não me vejam como a Senhora dos Absurdos, nem como a gentil professora da PUC que foi tripudiada por tecer um simples comentário... Mas que ela tem razão, ah, ponham a mão na consciência. Quem nunca pensou isso? Quem nunca olhou para o lado e se vexou de estar no mesmo espaço que aquela gente feia!
É como disse um político conservador, que realmente não me lembro quem é: “As coisas estão ficando muito populares”. E eu concordo, há ambientes que não são pra qualquer um. As pessoas deveriam saber bem qual é o lugar delas, ou ao menos saber que estão incomodando o espaço dos outros.

24 de setembro de 2014.

Uma crônica, GCA Florentino.


[texto com um bom bocado de ironia]

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Ilusão



O ruído alto do motor impede Serena de cair no sono, e a cada pescada com que tomba sobre o passageiro ao lado desperta assustada e vexada de sua condição. É esta sua rotina diária, manhã e tarde, se pudesse teria sua carteira assinada como passageira, é claro que almejaria algo melhor, como ser sócia da companhia de transporte, mas isso não é pra ela.
Diariamente, com figurino impecável, de quem não deveria se arriscar no transporte público, Serena se desloca para o trabalho; e a rotina não muda nem mudará por um bom tempo. Até parece estranho: vestir-se elegantemente para distribuir sorrisos em loja de artigos de alto padrão, mas ao fim do mês, fazer jus apenas ao honorário destinado à sua classe.
O itinerário diário lhe presta o serviço de divã, entre uma piscada e outra. É ali, naquele lugar comum e popular que Serena vê-se diante de um espelho que preferia ignorar, “Ora por que não me tiro daqui se tenho beleza bastante para sorrir na Maison”, é o que pensa. Dói-lhe olhar para os lados e ver-se em meio a operários, domésticas e pretos de toda forma. Serena sabe que os que lhe observam ali diariamente, e por Deus, não ousam lhe dirigir a palavra, têm certeza de que aquele mundo abafado, mal cheiroso e feio não lhe pertence. Ela também sabe, “Não, isso não é pra mim”, por isso não se furta a manter-se oclusa em seus óculos escuros e com uma forjada expressão de antipatia, “Não gastarei meus sorrisos com essa gente”.
Vez por outra um assunto lhe desperta a atenção, como o da moça grávida que acabara de comprar um tanquinho, “E foi à vista”, que muito a ajudará após o nascimento do bebê, embora essa mesma moça afirmasse “Roupa de pagão se lava na mão”. Como pode um tanquinho ter tanta importância na vida de alguém, que mulher é essa que se alegra com um eletrodoméstico e não com uma joia, “Vá lá, e ela saberia mesmo o que é uma jóia, vide as miçangas que parecem brotar daquela orelha. Eu jamais me permitiria alegrar com tão pouco, feliz fiquei mesmo com minha primeira pérola, linda e cara, Deus sabe como eu quis um par de pérolas, a joia mais linda, elegante e discreta, digna! Não me bastaria uma pérola, precisava ser daquela joalheria e daquele designer! Como sempre digo, eu mereço mais, muito embora a conversa da grávida, que por sinal parece ter se esquecido de comprar blusas maiores para lhe cobrir a barriga por inteiro, recorde-me as lamúrias de minha mãe sobre o emboço da casa, se é que posso dizer que vivo numa casa. Aquilo é um cubículo, mal posso me mexer, melhor seria morar na Maison; sentar-me naqueles móveis grandes e macios, de tecidos finos, cores vibrantes e cheiro sutil... Ah, o cheiro! Mal posso me lembrar do ar de mofo do cômodo em que passo as noites, isso mesmo: passo as noites! Não posso dormir, sequer sonhar, num lugar daqueles! Ah, o cheiro! É o pior indício de quem se é e de onde se está...”
Fonte da Imagem: http://anabailune.blogspot.com.br/2013/05/espelhos.html
E é com um odor de quem nunca se dá ao trabalho de lavar o uniforme que Serena de súbito desperta de seus pesadelos. Sempre de óculos escuros, olhos fechados e face virada para o que há fora da janela, a moça não notara que o passageiro ao lado mudara já algumas vezes, mas naquele momento, foi impossível não perceber. Veio lhe das narinas à boca aquele cheiro, que se torna gosto, de urina seca, suor, sol, mofo e o mau hálito característico da manhã.
Naquela hora o moça não despertara só de sua comodidade, mas para sua realidade, lembrara que embora se acreditasse diferente, sabia que cada pessoa que ali diariamente lhe acompanhava no embalar do destino, via-lhe apenas como uma pobre arrogante, que costuma se esquecer de quem é. E mais nada.


Angra dos Reis, 17 de julho de 2014
G.C.A


quinta-feira, 14 de maio de 2015

Exílio



- Nunca saberias o que é exílio? Nem mesmo se lesses nos dicionários da língua?
Pois nunca sofreras expatriação e nem a ti te impuseram o degredo. Também não te faltara terra sob teus pés.
Fonte da Imagem: Arquivo pessoal.
- Mas não é isso. O que é... é a falta de aconchego, de reconhecimento e envolvimento. Tudo isso é muito abstrato, mas o que é o desterro senão um vazio emocional?  É estranho não sentir afeto pelo lugar em que se nasce, é estranho não amar a casa em que se vive, é estranho não cultivar apego pelo solo que me alimenta.
- Mas não é raro! E não é incomum!

G.C.A, 17/11/2014.


Não é incondicional



Não aceito isso em você! Não gosto dessa, dessa, dessa e dessa sua atitude! Você devia ser mais assim! Você nunca faz o mínimo pra que as pessoas gostem de você! Suas palavras são sempre rudes, é incapaz de demonstrar algum sentimento...
Muita gente já ouviu essa enxurrada de conselhos e críticas! E não foi de pessoas estranhas ou neo-conhecidas; elas vêm assim, repetidamente, de pessoas muito próximas, daquelas a quem se deve louvar incondicionalmente.
A velha ideia de que família é família, não respeita à sabedoria do velho ditado “quem bate esquece, mas não quem apanha”. E por isso, muitas pessoas que se põem à margem dessas convenções sociais são taxadas de cruéis, rancorosas, desalmadas; mas ninguém se importa em saber que tipo de relação fora construída naquelas que deveriam ser incondicionais e atemporais.
Fonte da Imagem: Arquivo pessoal. Esta escultura pode ser vista
na Igreja N. Srª do Pilar, em Ouro Preto - MG
Nas casas em que aquele intenso parágrafo de elogios acontece, raramente há espaço para o diálogo, o entendimento e mesmo para o perdão, até porque pela hierarquia da tradicional família há o grupo dos sempre certos e o subgrupo dos sempre errados. Então não, não há como passar por cima dos ressentimentos e participar de todas as festas e celebrações alegre e ‘sorridentemente’.
É lugar comum falar que estereótipos excluem, agridem e oprimem, mas assim como ninguém manda o cristão colocar o fone pra ouvir louvor no ônibus, por medo de ser chamado de anticristo, ninguém ousa falar que sim: as famílias erram, as pessoas das famílias cometem erros contra seus familiares e sim, essas pessoas se dão o direito de não pedir perdão, de não se sentirem errados: é o velho clichê de errar tentando acertar, e de só querer o melhor.
Não por acaso, muitas pessoas preferem sumir, não aparecer ou mesmo trilhar um caminho a parte daquele que é regido pelas convenções.
O amor familiar – paterno, materno, fraternal... – incondicional existe, mas não é uma lei natural irreversível. A regra natural das relações, sejam elas quais forem, é uma só: o respeito, porque o amor não se desenvolve sem ele.


G.C.A, 13/05/2015.