As recentes
revelações do site The Intercept Brasil (TIB) têm mexido
com a opinião pública dos brasileiros, mas para além das questões jurídicas publicas
nas matérias do periódico virtual, está a exposição das consequências de dois
traços culturais do brasileiro: o não cumprimento das leis e a cultura do ‘deixa
disso’.
O conteúdo
das conversas entre Moro e Dallagnol, respectivamente juiz e promotor dos casos
que envolvem a super-operação anticorrupção Lava Jato, tem denunciado graves
ilegalidades praticadas por estes altos servidores públicos. Em meio a estas
ilegalidades está o descumprimento da legislação brasileira escusado pelo
discurso de que os fins justificam os meios.
No entanto, a
prática de não levar as leis a sério é uma velha conhecida da população: quem
nunca estacionou em vaga reservada a idosos e portadores de necessidades
especiais, erigiu um imóvel sem a devida autorização do poder municipal ou
mesmo recorreu de uma multa de trânsito para ganhar mais tempo e retardar o
pagamento da punição? Todos conhecem
gente que faz isso o tempo todo. E as mesmas pessoas que cometem essas ‘pequenas
infrações’ são aquelas que adoram dizer quanto um estrangeiro é bom em
respeitar suas leis: “lá na Alemanha ninguém atravessa a rua fora da faixa, lá
as leis funcionam”.
Fonte da Imagem: https://theintercept.com/brasil/ |
O espanto
causado pelas matérias de Glenn Greenwald soou um tanto hipócrita em muitos,
mas não deixa de ser compreensível, pois, como brasileiros somos mestres em
tapar o sol com a peneira e nos esquecer de aliar prática a discurso. A Vaza
Jato só fez mostrar como hábitos culturais de não cumprimento de leis e
determinações, também ocorrem em instâncias maiores, e, como nas instâncias
menores, são usadas para obter vantagens de caráter particular.
Junto ao
sentimento de espanto pelo vazamento das mensagens ilegais, veio o sentimento
de ‘onde é que tudo isso vai dar’. Jornalistas mundo a fora apontaram que “numa
democracia de fato, os envolvidos já estariam afastados de seus cargos e Moro
já teria sido demitido ou convidado a renunciar seu status de ministro. Mas, não! Isso não ocorreu no Brasil, muito
pelo fato dos motivos que levaram procuradores e juiz se alinharem para levar à
prisão o maior líder da América Latina dos últimos tempos, mas também por outro
traço cultural nacional – o deixa disso.
A expressão
apresentada acima é ouvida toda vez que alguém resolve levar qualquer discussão
às vias de fato, ou, melhor dizendo, toda vez que alguém deseja discutir algo
da forma que tem de ser feita: com argumentos, defesa de posições etc.
Somos um povo
que não discute: que chama aqueles que querem expor suas opiniões e requerer
seus direitos de encrenqueiros, que espera a tempestade passar e aprende a
conviver com as adversidades, com as desigualdades, com a escravidão, com o
racismo, com o machismo, com a religião interferindo no Estado laico, com o
fascismo, com tudo.
Com isso, vem
a pergunta “aonde é que essas revelações vão nos levar”. Em primeira impressão,
penso que já nos levou a um importantíssimo lugar de reflexão: seremos um país
que respeita sua própria legislação ou continuaremos a usá-la segundo nossas próprias
necessidades? Seremos um povo que enfrenta suas falhas de cabeça erguida e que,
além de entender, aceita as punições que tais falhas acarretam ou continuaremos
a esperar que uma nova bomba cubra de poeira tudo o que foi exposto
anteriormente? Só por podermos parar para pensar nisso, já ganhamos com as
reportagens do TIB.