segunda-feira, 24 de junho de 2019

Jeitinho Brasileiro


As recentes revelações do site The Intercept Brasil (TIB) têm mexido com a opinião pública dos brasileiros, mas para além das questões jurídicas publicas nas matérias do periódico virtual, está a exposição das consequências de dois traços culturais do brasileiro: o não cumprimento das leis e a cultura do ‘deixa disso’.
O conteúdo das conversas entre Moro e Dallagnol, respectivamente juiz e promotor dos casos que envolvem a super-operação anticorrupção Lava Jato, tem denunciado graves ilegalidades praticadas por estes altos servidores públicos. Em meio a estas ilegalidades está o descumprimento da legislação brasileira escusado pelo discurso de que os fins justificam os meios.
No entanto, a prática de não levar as leis a sério é uma velha conhecida da população: quem nunca estacionou em vaga reservada a idosos e portadores de necessidades especiais, erigiu um imóvel sem a devida autorização do poder municipal ou mesmo recorreu de uma multa de trânsito para ganhar mais tempo e retardar o pagamento da punição?  Todos conhecem gente que faz isso o tempo todo. E as mesmas pessoas que cometem essas ‘pequenas infrações’ são aquelas que adoram dizer quanto um estrangeiro é bom em respeitar suas leis: “lá na Alemanha ninguém atravessa a rua fora da faixa, lá as leis funcionam”.
Fonte da Imagem: https://theintercept.com/brasil/
O espanto causado pelas matérias de Glenn Greenwald soou um tanto hipócrita em muitos, mas não deixa de ser compreensível, pois, como brasileiros somos mestres em tapar o sol com a peneira e nos esquecer de aliar prática a discurso. A Vaza Jato só fez mostrar como hábitos culturais de não cumprimento de leis e determinações, também ocorrem em instâncias maiores, e, como nas instâncias menores, são usadas para obter vantagens de caráter particular.
Junto ao sentimento de espanto pelo vazamento das mensagens ilegais, veio o sentimento de ‘onde é que tudo isso vai dar’. Jornalistas mundo a fora apontaram que “numa democracia de fato, os envolvidos já estariam afastados de seus cargos e Moro já teria sido demitido ou convidado a renunciar seu status de ministro. Mas, não! Isso não ocorreu no Brasil, muito pelo fato dos motivos que levaram procuradores e juiz se alinharem para levar à prisão o maior líder da América Latina dos últimos tempos, mas também por outro traço cultural nacional – o deixa disso.
A expressão apresentada acima é ouvida toda vez que alguém resolve levar qualquer discussão às vias de fato, ou, melhor dizendo, toda vez que alguém deseja discutir algo da forma que tem de ser feita: com argumentos, defesa de posições etc.
Somos um povo que não discute: que chama aqueles que querem expor suas opiniões e requerer seus direitos de encrenqueiros, que espera a tempestade passar e aprende a conviver com as adversidades, com as desigualdades, com a escravidão, com o racismo, com o machismo, com a religião interferindo no Estado laico, com o fascismo, com tudo.
Com isso, vem a pergunta “aonde é que essas revelações vão nos levar”. Em primeira impressão, penso que já nos levou a um importantíssimo lugar de reflexão: seremos um país que respeita sua própria legislação ou continuaremos a usá-la segundo nossas próprias necessidades? Seremos um povo que enfrenta suas falhas de cabeça erguida e que, além de entender, aceita as punições que tais falhas acarretam ou continuaremos a esperar que uma nova bomba cubra de poeira tudo o que foi exposto anteriormente? Só por podermos parar para pensar nisso, já ganhamos com as reportagens do TIB.


segunda-feira, 12 de março de 2018

Mulher, você precisa se valorizar!

Não há uma só mulher nesse mundo que não tenha ouvido e, até mesmo, falado essa máxima: ' você precisa se valorizar; ele não vai te valorizar'.
Frasezinha intragável essa, na maioria das vezes carregada de machismo e falta de empatia. Geralmente ela é proferida quando alguma mulher tem uma atitude que 'não condiz' com o esperado; mas o que muitos ignoram é que esses comportamentos condenáveis são, em sua maioria, momentos de pura autonomia e, assim por dizer, de auto-valorização delas.
Uma mulher que corre atrás do seu amor ou insiste em satisfazer seus desejos, mesmo não correspondido, se desvaloriza. Não, queridos! É exatamente o contrário. Insistir para que ela ignore o que sente e se conforme com situações que foram escolhidas para Ela, isso sim lhe faz se sentir desvalorizdesvalorizada.
Uma mulher que luta por seu espaço e não se conforma com os papéis que lhe foram criados se desvaloriza. De novo não! Lutar contra toda a carga psicopsicológica e social que nós é imposta é também um ato de auto-valorização.
Dias atrás, ouvi que tinha de me valorizar. Eu estava num papo sobre relacionamentos (como sempre) e sobre reconhecer meus defeitos quando ouvi a máxima. Mais que de repente me expliquei: - Eu não aceito ser escolhida, eu não vou aceitar o homem que me Quer, eu só vou aceitar o homem que eu quero. ( com isso minhas chances só diminuem, mas princípio é  princípio). 
E é bem assim que eu penso: eu me valorizo quando sigo meus instintos e ajo da forma que melhor me traduz, que me faz sentir bem comigo mesma.
Pois, não sei se alguém percebe isso, mas em pleno século XXI as mulheres são convidadas a esperar  o príncipe oferecer um baile para escolhê-las. Vem daí as classificações que determinam se você é valorizada ou não. 
- Ele não vai te assumir?
- Ele nunca vai te querer assim!
- Ele... ele... sempre a vontade Dele.
E nós! O que nós queremos?
Nosso desejo e nossa vontade, sempre genuínos e respeitáveis importam.
Então, não diga que que uma mulher precisa se valorizar, pois toda vez que ela ouve isso de pessoas próximas - ou não, mas principalmente,  ela se sente mal por ser quem é e por agir com o mínimo de auto-confiança. 

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Alienação de bens

De maneira defensiva ou talvez burra, tenho me mantido alheia ao que está havendo no país. Obviamente que como professora não há como me alienar de vez: não seria justo com meus alunos e além disso, trabalho  num órgão político e, portanto, não há como manter fechados olhos, boca e ouvidos.
Dentro do pouco que tenho ouvido e acompanhado, sei que o golpe anda a passos largos nesse país, e não tem intenção de dar  uma 'paradinha'. 
Pois bem, ontem cheguei à sala de aula e me encontrei com uma nova turma. Uma das alunas queria conversar e começou a tecer comentários raivosos de cunho político. Primeiro me testou tentando saber se Presidenta existe de fato ou 'foi invenção da Dilma (sic)' - é foda ser professor de Língua Portuguesa nessas horas; depois criticou o ex-presidente Lula (exclusivamente) com vários xingamentos e sempre com uma opinião muito raivosa.
Não é meu papel interferir na opinião que meus alunos adultos já têm, mas é minha obrigação orientá-los quanto a determinadas construções muito direcionadas que têm contribuído para a efetivação do golpe.
Numa das questões que levantei, falei aos alunos sobre a permanência de determinadas famílias no poder há anos, e ,relembrando uma pichação que vi nas redes sociais, chamei sua atenção para o fato de que os legisladores que aí estão, não fazem senão defender seus próprios interesses. E para isso eles tiveram o aval do voto de muita gente. 
Nosso congresso tem sido um Country Club, em que só um grupo muito seleto tem acesso a determinadas instalações e privilégios; para tanto eles usurpam de algo que não lhes é particular, que eles não adquiriram com grande esforço e trabalho árduo: esses "playboys" do governo bancam seus interesses com dinheiro público. E sendo o mais óbvia que posso, essa festinha vai além das regalias que um legislador tem ( altos salários, bolsa tudo que é possível e blá, blá blá), tais vantagens se dão por meio de tráfico de influência e muita, mas muita mesmo, compra de favores (não é troca, é mesmo um mercado livre).
Fonte da imagem: http://dinheirobarato.com/hipoteca/
Os congresso nacional, junto  com o executivo que está totalmente alinhado com seus interesses, tem tomado de nós brasileiros tudo que nos é caro e essencial. Tiram-nos o poder de compra, os nossos empregos, o nosso acesso a serviços públicos com um mínimo de deferência - porque qualidade não é mais a palavra para esses tempos - e nós seguimos nos sentindo endividados. 
Não foi por acaso que as nossas forças foram convocadas a reagir contra o governo que estava aí, sem governar, governando mal etc.. Isso aconteceu para que hoje houvesse a garantia de que ficaríamos inertes diante de tantos desmandos que só interferem na vida dos fracos, já que nos sentimos cansados de lutar por causas erradas. 
Tudo o que é da população brasileira, por direito e por causa do cumprimento dos nosso deveres com o Estado, nos tem sido arrancado e e transformado em dinheiro. Cada escola sucateada é dinheiro investido nas empresas dos oligarcas tupiniquins, cada projeto de otimização da saúde, dos Correios, da Petrobrás, é dinheiro entrando na conta de um grupo exclusivíssimo de brasileiros - sem ignorar os interesses estrangeiros - ; e enquanto isso nós, reles trabalhadores, ficamos cada vez mais sufocados e prostrados diante de uma vida que só piora. 
É preciso inverter  essa corrente de pensamento que nos faz acreditar que estamos em débito com o país; a situação atual nos mostra o contrário, quem deve e teme são os nossos deputados e senadores. 

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Você viu?

Há um tempo atrás, quando a Rússia (re)tomou a Criméia, vi num programa uma jovem local falando do que a população estava experimentando. De forma bastante equilibrada a moça expôs sua visão do momento e uma de suas colocações me chamou a atenção: "meus pais passam dia e noite em frente à TV, onde a todo momento há notícias e informações falando da Rússia, do Putin... Eles parecem zumbis, ficam hipnotizados com tantas informações..." 

Bem, não é novidade  pra ninguém as táticas de persuasão da mídia e também não é novidade que a TV ainda é o veículo de informação cujo acesso abrange a maior da população. O que me incomoda nisso tudo é que estamos vivendo no Brasil algo semelhante ao relatado pela jovem da Criméia e estamos fazendo de nosso país um 'The Walking Dead' tupiniquim.

Em todas as rodas de conversa ouve-se um 'você viu'. Você viu o Lula, a Dilma, o Cabral? Você viu no senado, no governo, no Estado? Você viu nas favelas, no Espírito Santo, na Síria"?... 

A todo tempo notícias apocalípticas caem sobre nossas cabeças como bombas de conhecimento e antídotos contra a alienação. E as pessoas só absorvem, se alimentam, têm sede desse estado contínuo de inanição. 

É obvio que nós não devemos ficar à parte do que está acontecendo no mundo, mas seria bom e saudável que nós nos permitíssemos nos alienar dessa zona de guerra implantada na TV. 
Não há mais discussões sobre filme, novelas, comida que não tendam  para o partidarismo... Sempre e a todo momento as pessoas estão fortemente armadas com seus argumentos e suas caras impressionadas. 

Grande parte dos expectadores que reproduzem para as relações sociais o estado de calamidade transmitido pela TV é composta por pessoas que têm acesso a outros meios de informação e entretenimento, mas o processo de lavagem cerebral tem sido tão bem feito, que estas pessoas, que podem mudar de programação, escolhem assistir ao espetáculo. 

Fonte da imagem: http://www.apropucsp.org.br/
jornalpucviva/movimentos-sociais
Tem sido muito estafante viver nesse constante estado de alerta, e como numa zona de guerra, parece ser impossível encontrar um abrigo seguro em meio a tanta devastação. Mas esse texto, vem dizer a vocês que é possível: mude de assunto, leia um livro 'água com açúcar' e converse sobre ele, fale sobre música pop e comidas gordurosas. Mostre que você é um alienado convicto e que seus canais favoritos são SBT , Discovery H&H, E!...

Se você não tem vontade, você não precisa participar desse círculo... E viva a de-boas-cracia! 


terça-feira, 20 de setembro de 2016

Essa nova política

O ano é eleitoral e o momento é eleitoreiro. Nunca antes tudo esteve tão propício à política, mais especificamente à nova política. Mas o que é isto?
Fonte da imagem: https://www.facebook.com/MariaNanquim/photos/
Tenho visto candidatos velhos e novos falando sobre uma nova política, um novo jeito de governar, legislar e de cuidar da coisa pública. Ao mesmo tempo observo os partidos, o ideal que eles representam, representaram e, ao que tudo indica, sempre representarão e não compreendo o que é esse tal  jeito novo.
Tudo o que percebo nessa gente cheia de gás e querendo fazer algo novo, por sua cidade e até pelo país é velho, se não for anacrônico.
Vejo candidatos ao legislativo prometendo serviços de competência do executivo; vejo gente nova, com ideias 'novas' apoiando e se amparando em candidatos da oligarquia local, o que obviamente representa a velha política; vejo gente nova reproduzindo velhos discursos sobre politicagem acreditando piamente estar falando de política; vejo gente extremamente despreparada e debochada dando à gestão pública a velha ideia de que não é algo sério; vejo gente fazendo a velha política de troca de favores e empregos; e, por fim, e não menos importante, vejo gente desocupada ansiando um primeiro emprego de dinheiro alto e fácil a partir da vida pública.
Na verdade eu vejo muito mais coisas a respeito desse período, mas fico desestimulada a votar por não ver nos candidatos do ano o que considero principal nesse meio: conhecimento, ou ao menos, a busca dele. Não falo de nível escolar, mas de conhecimento que se pode adquirir com a vida, com a leitura, com a observação do desenrolar da história...
A maioria das campanhas está baseada em memes de Facebook e falácias veiculadas na imprensa. A maioria dos aspirantes a prefeito e vereador demonstra claramente não entender de administração pública e por isso não é capaz de apresentar à população um projeto de governo que seja consistente, plausível e consequentemente atraente aos olhos do eleitor.
A consequência disso é o voto.  Por causa dessa forma velha de tratar o coisa pública, o voto dos eleitores será igualmente velho: eu voto porque... ah! Um voto sem convicção!
O velho discurso de que a hora de mudar é agora e de que política se faz nas urnas (para quem acredita na democracia) deveria, mais do que nunca, estar na nossa consciência de eleitor como um grilo falante. 
Não votemos no velho, nem nessa nova gente velha! Não votemos no emprego garantido, nem no apoio financeiro a determinadas instituições! Não votemos no voto que se compra! Não votemos no rouba, mas faz! Não votemos no vizinho que eu conheço, nem no palhaço que não vai ganhar! Não votemos no ficha suja (estão falando pouco desse assunto ultimamente)... Se for para não ser assim: não votemos.



segunda-feira, 18 de julho de 2016

Nota de falecimento

- Bom dia - diz o compadre!
- Bom dia, FULANO morreu, você sabia?
- Sabia não... Mas como assim, como foi????

Conversa torta essa, não? Mas é assim que funciona nas cidades pequenas. Todos querem ser os primeiros a dar a notícia de um novo defunto. Não há espaço para reminiscências nem reticências. O informe da morte deve ser instantâneo, para que mais ninguém o faça antes de si.
Fonte da Imagem:http://www.dicio.com.br/obituario/
Uma vez, conversando com um colega, discutíamos sobre a medievalidade das cidades pequenas. Elas são redutos do espírito de comunidade e unidade entre estranhos, mas ao mesmo tempo são ambientes cruéis. O anúncio da morte pode ser, para um aldeão, uma simples informação a se passar, mas, mais que isso, essa ânsia de ser o primeiro a comunicar o fato novo e o modo como isso é feito, é sim um ato de crueldade.
Antigamente, isso acontecia só de boca em boca, nas conversas de portão de manhã. Mais recentemente, as notas fúnebres vinham via ligação telefone e atualmente - podem acreditar - tudo vem via Whatsapp.
Já repreendi algumas pessoas próximas por causa desse hábito, mas não se pode interferir nos costumes das pessoas. Sim, noticiar uma morte é mesmo um costume das pessoas, Não por acaso nossos jornais estão úmidos de sangue diariamente e a coluna de obituário nunca caiu em degredo.
No entanto, penso que os adeptos dessa prática -de noticiar a morte de todo e qualquer cidadão - deveriam pensar se o ouvinte tem interesse em saber do fato. Eu, por exemplo, não gosto de saber da morte de pessoas simplesmente por saber. Penso que essa notícia deve ser algo particular aos entes queridos e próximos do finado. A morte - não sendo ela de interesse comum, tais quais aquelas que em si intrigam algum tipo de denúncia ou alerta social - deve ser experimentada de maneira discreta. É um direito da família que chora sua perda.


18 de julho de 2016.






segunda-feira, 7 de março de 2016

Educamos nossas meninas para a solidão

Tenho refletido há algum tempo sobre a educação que é dada às meninas.  Já de início peço que não generalizem as colocações que aqui serão feitas, em contrapartida peço que não ignorem que isto é algo muito comum.
Bem, já testemunhei de atos de agressão contra uma mulher jovem, bonita, que trabalha e é só isso que sei dela. Dirão vocês: “você não fez nada”. Não, eu não fiz, porque devo ter tido os mesmos medos que ela tem.
Sempre que coloco isso pras pessoas a primeira a ser julgada é a moça: “ela gosta”, “por que é que ela não larga ele”... Estas são só algumas das máximas que conhecemos a respeito de mulheres que apanham. Eu, do alto da minha inércia, já tento ver as coisas de uma forma mais profunda. Penso: que educação essa moça recebeu?
Comecei a pensar nisso quando assisti ao filme Lovelace, sobre a ex-atriz pornô Linda Lovelace, que fora aliciada pelo marido a entrar na indústria dos filmes adultos, além de sofrer outras agressões (físicas e psicológicas) do esposo. No filme, o que mais me marcou, foi quando a atriz procurou pela mãe e esta fez vista grossa, apenas disse a Linda que aquele era seu marido e que ela deveria voltar para casa. Por isso faço essa reflexão sobre como nossas meninas são educadas.
Penso que a moça que sei sofrer violência deve ter recebido o mesmo tipo de educação que a ex-atriz pornô. Considerando a época e as circunstâncias, é triste pensar que a forma como preparamos as meninas para a vida não mudou muito.
Muitas de nós podem dizer que fomos criadas para estudar e trabalhar, eu ao menos posso dizer isso. Mas sou olhada como um ser deficiente por não ter a tiracolo um homem a quem recorrer quando preciso de amparo. E é aí que está a questão: que mulher nunca se sentiu extremamente sozinha no mundo ao se deparar com situações difíceis. A família pode até te amparar, mas faz isso sempre pensando que, caso você estivesse sob a responsabilidade de um homem, aquela tarefa não seria mais dela (a família), ou quando o problema for o homem, sempre surgem questões sobre como você (mulher) não soube lidar com a situação. Quantas mulheres não se sentem obrigadas a se virarem sozinhas, porque aqueles que as criaram já passaram a bola da segurança delas. Se você é só (solteira), você está só, se você tem um companheiro, é só com ele que você pode contar e, se você não pode contar com ele, adivinhe: você está só novamente.
Penso então que é essa educação para a solidão que faz com que muitas mulheres permaneçam por muito tempo junto ao seu agressor. De nada importa que a mulher seja bonita, trabalhadora – a ponto de ser independente, e estudada se ela foi educada para se sentir só.
E pergunto: alguém quer ser só? Somos seres sociais, as pessoas com força bastante para seguir uma vida só – com seus próprios meios – são extremamente rebeldes, e mesmo elas às vezes jogam a toalha.
A solidão não está em estar sozinho, mas em sentir-se só. E ela é mais feroz quando se percebe que apesar de haver pessoas a sua volta, você não pode contar com elas, ou mesmo não deve se expor para elas. Isso é feroz para homens e para mulheres, mas no nosso caso, é isso que nos leva a continuar sendo agredidas, a deixar que se apossem de nossa dignidade e nos façam sentir menores e inferiores; é essa educação que diz que a mulher deve ceder, aceitar, permanecer e nunca se rebelar...
Fonte da imagem: http://drihsantos14.blogspot.com.br/2011/04/talvez-vou-viver.html
 Do contrário, o que levaria uma jovem da cidade, cheia de informação, com formação, boa família e bons amigos a aceitar ser agredida pisco e fisicamente pelo namorado? Por que as meninas precisam deixar transparecer que suas vidas seguem perfeitas e em paz, quando se sabe que a realidade não é essa? Ou mesmo, por que tantas mulheres voltam a viver sob o mesmo teto que seu agressor depois de tê-lo denunciado?
É preciso fazer mais por nós, por nossas meninas. É preciso alertá-las de que o ser humano é só, mas não precisa ser solitário; é preciso dizê-las que há vida segura e feliz sem que haja um homem a seu lado; é preciso assegurá-las de que não é direito do homem agredi-las de maneira nenhuma e que se isso ocorrer ela deve se rebelar, se levantar contra isso. É preciso que elas saibam que podem de fato contar com alguém, que podem contar para alguém e que uma mulher não deve ser pacífica senão em situação de paz.
É preciso educar bem nossas meninas, para que elas saibam dos seus direitos, de seu valor. É preciso que saibamos que não somos obrigadas a aceitar, mas destinadas a escolher, a determinar o rumo de nossa história e que para isso sempre haverá segurança, seja de pessoas próximas ou estranhas.

Angra dos Reis, 07 de março de 2016.
Uma reflexão adiantada para o dia internacional da Mulher.