quinta-feira, 25 de junho de 2015

Português para leigos

As aulas de Linguística me ensinaram que todo falante de Língua Portuguesa conhece a Língua Portuguesa, me ensinaram também que em relação à língua não deve haver juízo de valor; mas esse conhecimento só tem quem frequenta a academia e quem se interessa pelo assunto de maneira livre, ou seja, desprovida de preconceitos. Digo isso porque, sendo todos os falantes de língua conhecedores de seu idioma, não é raro ouvir conversas especializadas a esse respeito, mas ao contrário do que deveriam, essas conversas são carregadas de ideias pré-concebidas.

O professor de língua é sempre requerido para solucionar problemas gramaticais, mas nunca problemas de cunho sociológico, e isso representa uma grande perda para as discussões, já que não há fato mais social que a língua, a linguagem, a comunicação. Ao falar de língua no Brasil - acredito que em todos os países que herdaram uma língua de outra pátria, mas não posso afirmar - as pessoas geralmente têm dois objetivos: resolver problemas gramaticais, como já dito, e criticar a fala do brasileiro. Ah, mas não é de todo brasileiro! Só se critica a fala do brasileiro mambembe, o brasileiro de origem europeia deve ser excluído da crítica.
Fonte da imagem: http://www.mundolusiada.com.br/cultura/
seminario-no-rio-aborda-cidades-capitais-do-antigo-imperio-portugues/

Pois bem, vou chover no molhado, mas vou falar! A Língua Portuguesa é uma só, e ela é a língua falada em Portugal, mas mesmo assim, nas terras d'além mar ela sofre muitas variações. No Brasil se fala o Português Brasileiro, assim como em Moçambique há o Português Moçambicano, em Cabo verde o Cabo-verdeano, e por aí vai. E não diferente da Língua Portuguesa, ou Português de Portugal, o Português Brasileiro sofre suas variações, estruturais, lexicais e pasmem: sociais!

Sim, a língua varia socialmente! Porque ela  reflete a sociedade na qual ela é falada. Um exemplo disso tive essa semana. Leciono no Estado do Rio em uma comunidade reduto de nordestinos, por isso minha sala de aula é riquíssima em variação regional: baianos, pernambucanos, paraibanos, maranhenses: um mundo. Bem, passei uma atividade de escrita à classe e ao término dela, corrigi a de cada aluno. Um deles, do Pernambuco, fez uso de uma estrutura um tanto inadequada para a linguagem escrita, embora não houvesse incorreção ortográfica. Eu olhei, reolhei, e quis corrigir a estrutura selecionada pelo rapaz, mas não pude, porque eu sabia que ali havia uma marca regional que eu não podia tirar dele, e ninguém pode. Pois bem, expliquei a ele, que não corrigiria os termos, por saber ser traço regional, mas pedi que ele atentasse para o fato de que em documentos formais ele deveria evitar essas marcas; o rapaz é muito sábio e de fato sabe fazer essa diferença, por isso confiei a ele a decisão de seleção....

As histórias são muitas, mas para não me prolongar - olhem o uso dos meus pronomes - gostaria muito que as pessoas soubessem que não há no Brasil um Português melhor que o outro. Não ponham o Sul nas alturas e os mano de São Paulo no chinelo, a língua falada é uma digital social, que gramática nenhuma pode remover de seu falante. Sim: a escola tem seu papel de ensinar a língua formal, a adequação da linguagem de acordo com a situação e a ortografia, na qual erro sempre será erro, mas devemos evitar esse pedantismo de querer ser Português de Portugal ou uma cópia fiel dele. 

Somos brasileiros e devemos, reconhecer, falar e respeitar a nossa língua, sem descréditos!

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Quando eu morrer...

Outro dia ouvi pessoas falando sobre como esperam que sua morte seja cuidada. Algumas diziam que a morte deve ser uma celebração: "não quero ver ninguém chorando, quero uma festa"; outras diziam que preferiam um enterro rápido, não desejavam ser veladas por muito tempo, para não prolongar o sofrimento dos que ficaram. Bem, a esse respeito, só uma coisa é certa, ninguém pode saber como sua morte será tratada; salvo aquelas pessoas muito organizadas que deixarão tudo encaminhado para que seu último desejo seja cumprido; mas mesmo assim, se as circunstâncias da morte fugirem ao natural e ao esperado, é certo que as vontades póstumas serão ignoradas.
Fonte da imagem:http://www.csaolucas.com.br/noticia_detalhe.php?id=653
Eu já pensei na minha morte, concordo com aquelas pessoas que afirmavam não querer um velório longo: também acho que é prolongar o sofrimento. Mas no dia em que ouvi as colocações daquelas pessoas, parei e pensei: a cerimônia fúnebre não deve ser sobre quem morre, mas sim sobre os que ficaram. Eles devem decidir sobre a melhor maneira de homenagear aquele ente que se foi.
Se você inspirou alegria aos seus e espera que seu memorial seja celebrado como uma festa, pouco importa, já que aqueles que cuidarão de suas exéquias poderão pensar que uma homenagem póstuma tradicional, formal e religiosa seja a melhor forma de respeitar o que você foi em vida. O mesmo é válido para o pensamento oposto: às vezes você foi alguém que pouco da vida aproveitou e por isso seus chegados optarão por fazer uma festa, que você nunca pôde viver, mas que eles gostariam de te dar de presente.
Quanto ao choro, é bobagem pedir que as pessoas evitem-no, porque o choro na morte é algo cultural. Se morrer, tem de chorar por aquele que vai; seja por saudade, por remorso, culpa, seja por tristeza, felicidade, pena, ou, por chorar.... como o contágio de bocejar, nos velórios se chora por ver os outros chorando também.
Esses pensamentos são válidos, partindo do princípio de que haverá quem organize, celebre e presencie sua morte, porque se você for uma pessoa só, tudo isso será suprimido com uma vaga solução mecânica da funerária responsável, houver uma.
Por tudo isso, parei de querer ter "memórias póstumas". Que decidam os meus sobre o que eles precisam fazer por mim nos momentos finais de minha estada sobre a terra.  Porque o que vale é pensar na vida, pensar em não ser um morto-vivo; pois só podemos decidir sobre como queremos viver!

G.C.A., 15 de junho de 2015

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Trilhas do interior

Ontem participei de uma trilha bem legal e uma das constatações interessantes que eu mais dois conterrâneos tivemos foi de que, na nossa infância num lugarejo do interior, andar muito em estradas vicinais não era chamado do trilha.
De fato trilha e estradas vicinais não são a mesma coisa, mas possuem algo em comum: os atrativos naturais, o distanciamento da vida urbana e as dificuldades de um percurso precário. Isso significa que, entre uma e outra há apenas o diferencial do turismo, do interesse em desenvolver uma atividade turística para que as estradas vicinais sejam também trilhas para o povo da cidade.
Cresci indo à roça com meu avô e subindo morro  em trilhas de gado, era o máximo - meu avô teve o azar de demorar para ter neto e eu tive a sorte de ser a mais velha e ganhar o bônus de ser sua companheira. Também percorria à pé com minha avó, estradas vicinais  que nos levavam ao sítio de um tio avô (irmão dela) e às muitas propriedades em que meus tios trabalharam (seus filhos). Eu sempre gostei: do caminho, do silêncio e da paisagem. Até hoje me recordo do cheiro de eucalipto da estrada que vai para o sítio do Serginho. Lembro também que praquelas bandas há uma lenda de ouro enterrado no meio da mata; acho que quando alguém vai procurar pelo tesouro, um saci ou um curupira faz com que os aventureiros percam o caminho - não sei direito mais. 
Além das trilhas acompanhadas de meus avós, percorri algumas outras atrás de rios e cachoeiras na adolescência: o verão em Santa Isabel é como o inverno, intenso. E tome perna pra andar, mas a gente ia ( eu e meus amigos), porque valia o prêmio, o banho e as companhias. Houve também o tempo das cavalgadas; atividade de que não participei muito, porque não tinha animal, mas era bom também.
Bem, posso passar horas listando as atividades que uma pessoa criada na roça faz sem saber que é lazer, ou pensando que é falta de lazer. Quando se cresce no interior, tem-se a impressão de que não há nada a fazer para animar os dias ali. E com isso, quem ganha o retorno financeiro são os bares. É! Na roça a única opção de lazer é sentar num bar e beber com os amigos. E quem não bebe - uma raridade na cultura do interior - tem que ir à missa, ou ao culto, pra ver gente, ou  ver TV,ou ... se gostar de ler, pode ter essa opção (era a minha). Aos que não podem beber, legalmente, a melhor atividade é passar umas horinhas na praça com os amigos, conversando, fofocando e... namoriscando. Ainda bem que agora tem internet: uma salvação para a falta do que fazer na roça.
Fonte da imagem: Arquivo pessoal.
Essa cultura cega de não valorizar o potencial do interior vem de longe: desde a época do declínio do café nenhum município que foi grande produtor se recuperou fortemente.Veio o exôdo rural e a partir daí o campo deixou de ser interessante - ao menos no sul fluminense. A cidade, centro comercial, portanto nicho do consumo, passou a ser a grande detentora do lazer: porque se não puder ser comprado, não tem valor, portanto, não é nada, nem lazer; mesmo as atividades gratuitas têm um custo, geralmente o poder público, paga por elas para que sejam oferecidas gratuitamente à população.
Partindo da perspectiva de consumo e da lei da oferta e da procura, eu penso que já é hora do interior se organizar fortemente para desenvolver atividades culturais e de turismo a aprtir de sua vocação. Santa Isabel, não tem a seresta de Conservatória, nem é a menina dos olhos do distrito sede, como é Ipiabas para Barra do Piraí. Mas é para seus moradores um lugar precioso, de imenso valor. Então eu pergunto: onde estão as trilhas de Santa Isabel, as fazendas cafeeiras de lá, as cachoeiras e corregos balneáveis em que as pessoas se banham no verão? Onde está essa vocação turística que ninguém ganha dinheiro com isso (ou pouquíssimas pessoas)? Para tanto não é preciso ter uma cadeia de hotéis e pousadas, nem mesmo restaurantes. Hoje em dia, as pessoas da cidade só querem passar umas horinhas fora daquele turbilhão. Uma trilha, um almoço típico, uns minutinhos no curral tentando tirar leite das vaquinhas, já bastam pra essa gente estressada descansar. E paga-se bem por isso, mas é preciso vontade e organização, já que não carece de altos investimento. 
Eu vejo, no lugar em que me criei, um grupo de jovens muito conscientes dessa vocação da terrinha, e espero que eles promovam essa revolução - faço minha mea culpa de filho pródigo, porque não contribuo para essa mudança, mas sei escrever... 
Penso, que já é hora de parar de olhar pro campo e ter pena dele, porque não pôde virar cidade. A hora de mudar é agora, e para que a roça seja melhor, ela só precisa ter consciência de quem ela é. 

G.C.A, 25 de maio de 2015.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Morte aos 27!



Diz a lenda que as estrelas, muito loucas, não resistem aos 27. Janis, Kurt e Amy são algumas das personalidades que não resistiram a essa idade maldita pelos astros. Mas por quê?  Até o momento não há explicação plausível. Até o momento, porque tendo eu sobrevivido a eles, vou tentar elucidar os fatos.
Bem, as experiências podem parecer pessoais, mas talvez, muitos vinteessetões tenham passado por algo parecido, e se fossem estrelas, regidas pela vaidade de ser mais, de ser melhor, também não teriam resistido.
Aos 27 descobri as dores. Sim elas apareceram! E com toda força! A coluna ruiu e não aguentou as 40 horas semanais passadas em cadeiras mal reguladas. Foi dor pra todo lado, e não há nada mais desencorajador que as dores. E sendo a coluna a estrutura central e crucial do corpo humano, às vezes dá pra pensar em desistir da vida; pois se ela dá sinais de falência aos vinte e sete, o que será dessa estrutura central aos 54?!
Fonte da Imagem:https://icommercepage.wordpress.com/2011/07/25
/celebridades-que-morreram-aos-vinte-e-sete-anos/
Mas o pior ainda está por vir. Pode haver algo pior que os arroubos dolorosos de sua coluna? A resposta é: sim! Porque dor chama dor; e nem sempre a dor companheira é física, ela pode ser emocional, e esta meu bem, é insuportável. E palavras como dor e insuportável dispostas num mesmo sintagma aos 27, não é legal, mas sim, pode ser letal.
As dores emocionais fazem parte da vida de toda pessoa, mas há fases em que elas podem ficar convenientemente ocultas, contudo quando uma dor física aparece estas outras despertam, infernizam mentes e influenciam as ações do corpo enfermo. Eis a casa do perigo! Corpo débil, mente perturbada, vida violada!
Também aos vinte e sete, descobri os óculos, sim a partir de agora está atestado que em determinadas situações não posso mais ver claramente sem a ajuda das lentes. É estranho pensar que nosso principal canal de comunicação com o mundo fora de nós mesmos já apresenta defeitos; e isso traz medo. Medo de não ser capaz de poder ver as coisas como elas são. E medo, aos vinte e sete parece tão covarde, que nos esquecemos de que nada do que vemos é definitivamente real.
Parecer covarde numa época em que a perfeição deve ser atingida antes dos trinta é frustrante; pois os vinte sete nos aproximam da idade da pressão, e essa pressão vem aliada aos defeitos recém-descobertos. Aí está outra receita de chá de ruína.
É! Sentir dor e perder a capacidade de enxergar aos poucos torna as pessoas mais frágeis, e nem sempre é possível lidar com tais atrofias, porque elas escancaram que nada em nós é eterno: nem a voz, nem a beleza, nem a postura, nem a visão, tampouco o vigor. E isso... Bem, isso me fez mais sólido: porque viver a par da realidade é bem mais proveitoso. Alguns não resistem a isso, mas eu resisti! E tem sido bom!!!

22 de maio de 2015.
G.C. A

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Gente feia



Tenho ido a muitos lugares ultimamente e reparado uma mudança de clima. Não sei se me faço entender, mas restaurantes bares e boates não são mais como antes: aconchegantes e intimistas. Parece haver uma popularização dos espaços, que, me desculpem, não é legal.
Há bem pouco tempo atrás não era preciso selecionar muito os espaços em que eu gostaria de ser visto e associado, um barzinho mais refinado ali, um bom restaurante acolá e as boates com nome e marca eram de fato coisa para poucos. Bons tempos!
Fonte da Imagem:
 http://novaslistas.com.br/atualidades/2990-proibido-acessar-essa-lista
De uns tempos pra cá, parece que a todo lugar que eu vou, sou obrigado a me desvencilhar de uma gente diferenciada, como dizem os Jardins de São Paulo, e que aqui no Rio preferimos chamar de gente feia: o que de fato é. Né?! Acho que todos concordam. Pois essa gente acha que só porque pode comprar isso ou aquilo de uma grife melhorzinha, já pode estar em todos os lugares. Foi-se o tempo em que Dolce&Gabbana, Givenchy, Channel e outras marcas eram produtos para gente sofisticada. Agora se você, como eu, quer ter algo realmente diferenciado, precisa suar muito para comprar algo realmente exclusivo, ou para ter acesso a festas mais privé, por assim dizer.
O fato é que, tenho observado meu custo de vida social se tornar absurdo, já que não sou obrigada a conviver com essa gente feia. Por isso a escolha tem sido: selecionar mais e sair menos, porque ninguém aguenta pagar muito mais por lazer do que se pagava, até porque qualquer um agora pode bancar um “camarote de dois mil reais” e dividir por dez pessoas. Em outros tempos, isso não era uma pechincha, mas atualmente não é nada! Deve ser isso a tal desvalorização da moeda, não é?!
Enfim, as pessoas não gostam de falar, mas eu não me importo! Todo mundo pode tudo agora! E gente como eu fica sem opção. Havia festas, festivais e destinos que eram exclusivos de determinados públicos e que agora não são mais. Eventos como a FLIP, em Paraty, que tem um público muito específico – ou pelo menos tinha – agora têm estado repleto de gente estranha. Gente que nunca sequer abriu um livro indo a uma festa literária! Faça-me um favor! Espero que não me vejam como a Senhora dos Absurdos, nem como a gentil professora da PUC que foi tripudiada por tecer um simples comentário... Mas que ela tem razão, ah, ponham a mão na consciência. Quem nunca pensou isso? Quem nunca olhou para o lado e se vexou de estar no mesmo espaço que aquela gente feia!
É como disse um político conservador, que realmente não me lembro quem é: “As coisas estão ficando muito populares”. E eu concordo, há ambientes que não são pra qualquer um. As pessoas deveriam saber bem qual é o lugar delas, ou ao menos saber que estão incomodando o espaço dos outros.

24 de setembro de 2014.

Uma crônica, GCA Florentino.


[texto com um bom bocado de ironia]

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Ilusão



O ruído alto do motor impede Serena de cair no sono, e a cada pescada com que tomba sobre o passageiro ao lado desperta assustada e vexada de sua condição. É esta sua rotina diária, manhã e tarde, se pudesse teria sua carteira assinada como passageira, é claro que almejaria algo melhor, como ser sócia da companhia de transporte, mas isso não é pra ela.
Diariamente, com figurino impecável, de quem não deveria se arriscar no transporte público, Serena se desloca para o trabalho; e a rotina não muda nem mudará por um bom tempo. Até parece estranho: vestir-se elegantemente para distribuir sorrisos em loja de artigos de alto padrão, mas ao fim do mês, fazer jus apenas ao honorário destinado à sua classe.
O itinerário diário lhe presta o serviço de divã, entre uma piscada e outra. É ali, naquele lugar comum e popular que Serena vê-se diante de um espelho que preferia ignorar, “Ora por que não me tiro daqui se tenho beleza bastante para sorrir na Maison”, é o que pensa. Dói-lhe olhar para os lados e ver-se em meio a operários, domésticas e pretos de toda forma. Serena sabe que os que lhe observam ali diariamente, e por Deus, não ousam lhe dirigir a palavra, têm certeza de que aquele mundo abafado, mal cheiroso e feio não lhe pertence. Ela também sabe, “Não, isso não é pra mim”, por isso não se furta a manter-se oclusa em seus óculos escuros e com uma forjada expressão de antipatia, “Não gastarei meus sorrisos com essa gente”.
Vez por outra um assunto lhe desperta a atenção, como o da moça grávida que acabara de comprar um tanquinho, “E foi à vista”, que muito a ajudará após o nascimento do bebê, embora essa mesma moça afirmasse “Roupa de pagão se lava na mão”. Como pode um tanquinho ter tanta importância na vida de alguém, que mulher é essa que se alegra com um eletrodoméstico e não com uma joia, “Vá lá, e ela saberia mesmo o que é uma jóia, vide as miçangas que parecem brotar daquela orelha. Eu jamais me permitiria alegrar com tão pouco, feliz fiquei mesmo com minha primeira pérola, linda e cara, Deus sabe como eu quis um par de pérolas, a joia mais linda, elegante e discreta, digna! Não me bastaria uma pérola, precisava ser daquela joalheria e daquele designer! Como sempre digo, eu mereço mais, muito embora a conversa da grávida, que por sinal parece ter se esquecido de comprar blusas maiores para lhe cobrir a barriga por inteiro, recorde-me as lamúrias de minha mãe sobre o emboço da casa, se é que posso dizer que vivo numa casa. Aquilo é um cubículo, mal posso me mexer, melhor seria morar na Maison; sentar-me naqueles móveis grandes e macios, de tecidos finos, cores vibrantes e cheiro sutil... Ah, o cheiro! Mal posso me lembrar do ar de mofo do cômodo em que passo as noites, isso mesmo: passo as noites! Não posso dormir, sequer sonhar, num lugar daqueles! Ah, o cheiro! É o pior indício de quem se é e de onde se está...”
Fonte da Imagem: http://anabailune.blogspot.com.br/2013/05/espelhos.html
E é com um odor de quem nunca se dá ao trabalho de lavar o uniforme que Serena de súbito desperta de seus pesadelos. Sempre de óculos escuros, olhos fechados e face virada para o que há fora da janela, a moça não notara que o passageiro ao lado mudara já algumas vezes, mas naquele momento, foi impossível não perceber. Veio lhe das narinas à boca aquele cheiro, que se torna gosto, de urina seca, suor, sol, mofo e o mau hálito característico da manhã.
Naquela hora o moça não despertara só de sua comodidade, mas para sua realidade, lembrara que embora se acreditasse diferente, sabia que cada pessoa que ali diariamente lhe acompanhava no embalar do destino, via-lhe apenas como uma pobre arrogante, que costuma se esquecer de quem é. E mais nada.


Angra dos Reis, 17 de julho de 2014
G.C.A


quinta-feira, 14 de maio de 2015

Exílio



- Nunca saberias o que é exílio? Nem mesmo se lesses nos dicionários da língua?
Pois nunca sofreras expatriação e nem a ti te impuseram o degredo. Também não te faltara terra sob teus pés.
Fonte da Imagem: Arquivo pessoal.
- Mas não é isso. O que é... é a falta de aconchego, de reconhecimento e envolvimento. Tudo isso é muito abstrato, mas o que é o desterro senão um vazio emocional?  É estranho não sentir afeto pelo lugar em que se nasce, é estranho não amar a casa em que se vive, é estranho não cultivar apego pelo solo que me alimenta.
- Mas não é raro! E não é incomum!

G.C.A, 17/11/2014.