Tenho refletido há algum tempo sobre a educação
que é dada às meninas. Já de início peço
que não generalizem as colocações que aqui serão feitas, em contrapartida peço
que não ignorem que isto é algo muito comum.
Bem, já testemunhei de atos de agressão
contra uma mulher jovem, bonita, que trabalha e é só isso que sei dela. Dirão
vocês: “você não fez nada”. Não, eu não fiz, porque devo ter tido os mesmos
medos que ela tem.
Sempre que coloco isso pras pessoas a
primeira a ser julgada é a moça: “ela gosta”, “por que é que ela não larga ele”...
Estas são só algumas das máximas que conhecemos a respeito de mulheres que
apanham. Eu, do alto da minha inércia, já tento ver as coisas de uma forma mais
profunda. Penso: que educação essa moça recebeu?
Comecei a pensar nisso quando assisti ao
filme Lovelace, sobre a ex-atriz pornô Linda Lovelace, que fora aliciada pelo
marido a entrar na indústria dos filmes adultos, além de sofrer outras
agressões (físicas e psicológicas) do esposo. No filme, o que mais me marcou,
foi quando a atriz procurou pela mãe e esta fez vista grossa, apenas disse a
Linda que aquele era seu marido e que ela deveria voltar para casa. Por isso
faço essa reflexão sobre como nossas meninas são educadas.
Penso que a moça que sei sofrer
violência deve ter recebido o mesmo tipo de educação que a ex-atriz pornô. Considerando
a época e as circunstâncias, é triste pensar que a forma como preparamos as
meninas para a vida não mudou muito.
Muitas de nós podem dizer que fomos
criadas para estudar e trabalhar, eu ao menos posso dizer isso. Mas sou olhada como
um ser deficiente por não ter a tiracolo um homem a quem recorrer quando
preciso de amparo. E é aí que está a questão: que mulher nunca se sentiu
extremamente sozinha no mundo ao se deparar com situações difíceis. A família
pode até te amparar, mas faz isso sempre pensando que, caso você estivesse sob
a responsabilidade de um homem, aquela tarefa não seria mais dela (a família),
ou quando o problema for o homem, sempre surgem questões sobre como você
(mulher) não soube lidar com a situação. Quantas mulheres não se sentem
obrigadas a se virarem sozinhas, porque aqueles que as criaram já passaram a
bola da segurança delas. Se você é só (solteira), você está só, se você tem um
companheiro, é só com ele que você pode contar e, se você não pode contar com
ele, adivinhe: você está só novamente.
Penso então que é essa educação para a
solidão que faz com que muitas mulheres permaneçam por muito tempo junto ao seu
agressor. De nada importa que a mulher seja bonita, trabalhadora – a ponto de
ser independente, e estudada se ela foi educada para se sentir só.
E pergunto: alguém quer ser só? Somos
seres sociais, as pessoas com força bastante para seguir uma vida só – com seus
próprios meios – são extremamente rebeldes, e mesmo elas às vezes jogam a
toalha.
A solidão não está em estar sozinho, mas
em sentir-se só. E ela é mais feroz quando se percebe que apesar de haver
pessoas a sua volta, você não pode contar com elas, ou mesmo não deve se expor
para elas. Isso é feroz para homens e para mulheres, mas no nosso caso, é isso
que nos leva a continuar sendo agredidas, a deixar que se apossem de nossa
dignidade e nos façam sentir menores e inferiores; é essa educação que diz que
a mulher deve ceder, aceitar, permanecer e nunca se rebelar...
Fonte da imagem: http://drihsantos14.blogspot.com.br/2011/04/talvez-vou-viver.html |
É preciso fazer mais por nós, por nossas
meninas. É preciso alertá-las de que o ser humano é só, mas não precisa ser
solitário; é preciso dizê-las que há vida segura e feliz sem que haja um homem
a seu lado; é preciso assegurá-las de que não é direito do homem agredi-las de
maneira nenhuma e que se isso ocorrer ela deve se rebelar, se levantar contra
isso. É preciso que elas saibam que podem de fato contar com alguém, que podem
contar para alguém e que uma mulher não deve ser pacífica senão em situação de
paz.
É preciso educar bem nossas meninas,
para que elas saibam dos seus direitos, de seu valor. É preciso que saibamos
que não somos obrigadas a aceitar, mas destinadas a escolher, a determinar o
rumo de nossa história e que para isso sempre haverá segurança, seja de pessoas
próximas ou estranhas.
Angra dos Reis, 07 de março de 2016.
Uma reflexão adiantada para o dia internacional da Mulher.