segunda-feira, 18 de julho de 2016

Nota de falecimento

- Bom dia - diz o compadre!
- Bom dia, FULANO morreu, você sabia?
- Sabia não... Mas como assim, como foi????

Conversa torta essa, não? Mas é assim que funciona nas cidades pequenas. Todos querem ser os primeiros a dar a notícia de um novo defunto. Não há espaço para reminiscências nem reticências. O informe da morte deve ser instantâneo, para que mais ninguém o faça antes de si.
Fonte da Imagem:http://www.dicio.com.br/obituario/
Uma vez, conversando com um colega, discutíamos sobre a medievalidade das cidades pequenas. Elas são redutos do espírito de comunidade e unidade entre estranhos, mas ao mesmo tempo são ambientes cruéis. O anúncio da morte pode ser, para um aldeão, uma simples informação a se passar, mas, mais que isso, essa ânsia de ser o primeiro a comunicar o fato novo e o modo como isso é feito, é sim um ato de crueldade.
Antigamente, isso acontecia só de boca em boca, nas conversas de portão de manhã. Mais recentemente, as notas fúnebres vinham via ligação telefone e atualmente - podem acreditar - tudo vem via Whatsapp.
Já repreendi algumas pessoas próximas por causa desse hábito, mas não se pode interferir nos costumes das pessoas. Sim, noticiar uma morte é mesmo um costume das pessoas, Não por acaso nossos jornais estão úmidos de sangue diariamente e a coluna de obituário nunca caiu em degredo.
No entanto, penso que os adeptos dessa prática -de noticiar a morte de todo e qualquer cidadão - deveriam pensar se o ouvinte tem interesse em saber do fato. Eu, por exemplo, não gosto de saber da morte de pessoas simplesmente por saber. Penso que essa notícia deve ser algo particular aos entes queridos e próximos do finado. A morte - não sendo ela de interesse comum, tais quais aquelas que em si intrigam algum tipo de denúncia ou alerta social - deve ser experimentada de maneira discreta. É um direito da família que chora sua perda.


18 de julho de 2016.






segunda-feira, 7 de março de 2016

Educamos nossas meninas para a solidão

Tenho refletido há algum tempo sobre a educação que é dada às meninas.  Já de início peço que não generalizem as colocações que aqui serão feitas, em contrapartida peço que não ignorem que isto é algo muito comum.
Bem, já testemunhei de atos de agressão contra uma mulher jovem, bonita, que trabalha e é só isso que sei dela. Dirão vocês: “você não fez nada”. Não, eu não fiz, porque devo ter tido os mesmos medos que ela tem.
Sempre que coloco isso pras pessoas a primeira a ser julgada é a moça: “ela gosta”, “por que é que ela não larga ele”... Estas são só algumas das máximas que conhecemos a respeito de mulheres que apanham. Eu, do alto da minha inércia, já tento ver as coisas de uma forma mais profunda. Penso: que educação essa moça recebeu?
Comecei a pensar nisso quando assisti ao filme Lovelace, sobre a ex-atriz pornô Linda Lovelace, que fora aliciada pelo marido a entrar na indústria dos filmes adultos, além de sofrer outras agressões (físicas e psicológicas) do esposo. No filme, o que mais me marcou, foi quando a atriz procurou pela mãe e esta fez vista grossa, apenas disse a Linda que aquele era seu marido e que ela deveria voltar para casa. Por isso faço essa reflexão sobre como nossas meninas são educadas.
Penso que a moça que sei sofrer violência deve ter recebido o mesmo tipo de educação que a ex-atriz pornô. Considerando a época e as circunstâncias, é triste pensar que a forma como preparamos as meninas para a vida não mudou muito.
Muitas de nós podem dizer que fomos criadas para estudar e trabalhar, eu ao menos posso dizer isso. Mas sou olhada como um ser deficiente por não ter a tiracolo um homem a quem recorrer quando preciso de amparo. E é aí que está a questão: que mulher nunca se sentiu extremamente sozinha no mundo ao se deparar com situações difíceis. A família pode até te amparar, mas faz isso sempre pensando que, caso você estivesse sob a responsabilidade de um homem, aquela tarefa não seria mais dela (a família), ou quando o problema for o homem, sempre surgem questões sobre como você (mulher) não soube lidar com a situação. Quantas mulheres não se sentem obrigadas a se virarem sozinhas, porque aqueles que as criaram já passaram a bola da segurança delas. Se você é só (solteira), você está só, se você tem um companheiro, é só com ele que você pode contar e, se você não pode contar com ele, adivinhe: você está só novamente.
Penso então que é essa educação para a solidão que faz com que muitas mulheres permaneçam por muito tempo junto ao seu agressor. De nada importa que a mulher seja bonita, trabalhadora – a ponto de ser independente, e estudada se ela foi educada para se sentir só.
E pergunto: alguém quer ser só? Somos seres sociais, as pessoas com força bastante para seguir uma vida só – com seus próprios meios – são extremamente rebeldes, e mesmo elas às vezes jogam a toalha.
A solidão não está em estar sozinho, mas em sentir-se só. E ela é mais feroz quando se percebe que apesar de haver pessoas a sua volta, você não pode contar com elas, ou mesmo não deve se expor para elas. Isso é feroz para homens e para mulheres, mas no nosso caso, é isso que nos leva a continuar sendo agredidas, a deixar que se apossem de nossa dignidade e nos façam sentir menores e inferiores; é essa educação que diz que a mulher deve ceder, aceitar, permanecer e nunca se rebelar...
Fonte da imagem: http://drihsantos14.blogspot.com.br/2011/04/talvez-vou-viver.html
 Do contrário, o que levaria uma jovem da cidade, cheia de informação, com formação, boa família e bons amigos a aceitar ser agredida pisco e fisicamente pelo namorado? Por que as meninas precisam deixar transparecer que suas vidas seguem perfeitas e em paz, quando se sabe que a realidade não é essa? Ou mesmo, por que tantas mulheres voltam a viver sob o mesmo teto que seu agressor depois de tê-lo denunciado?
É preciso fazer mais por nós, por nossas meninas. É preciso alertá-las de que o ser humano é só, mas não precisa ser solitário; é preciso dizê-las que há vida segura e feliz sem que haja um homem a seu lado; é preciso assegurá-las de que não é direito do homem agredi-las de maneira nenhuma e que se isso ocorrer ela deve se rebelar, se levantar contra isso. É preciso que elas saibam que podem de fato contar com alguém, que podem contar para alguém e que uma mulher não deve ser pacífica senão em situação de paz.
É preciso educar bem nossas meninas, para que elas saibam dos seus direitos, de seu valor. É preciso que saibamos que não somos obrigadas a aceitar, mas destinadas a escolher, a determinar o rumo de nossa história e que para isso sempre haverá segurança, seja de pessoas próximas ou estranhas.

Angra dos Reis, 07 de março de 2016.
Uma reflexão adiantada para o dia internacional da Mulher.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Tratamento de índio

 Hoje vi um casal de índios almoçando num restaurante. O restaurante é caseiro, particularmente, adoro a comida de lá, embora o peixe de hoje estivesse mal temperado. Mas o que importa é que dois índios estavam lá almoçando.
A cena me tocou. Me tocou porque me incomoda ver outras cenas com índios e já reclamei disso para alguns. 
Em Angra como em Paraty, os índigenas vêm diariamente às ruas vender seu artesanato. As peças são lindas e faça chuva - e por aqui faz muita - ou faça sol, lá estão eles, majoritariamente elas, muitas vezes com uma cria agarrada ao peito, vendendo sua arte. Isso é bonito: vê-los, observá-los trabalhando e saber que eles são parte dessa terra, é mesmo lindo.
O que me causa incômodo é justamente o momento da refeição. No horário do almoço é comum ver indiozinhos e indiazinhas indo às portas de restaurante buscar sua quentinha, parece ser doação. Eles recebem sua comida na porta do estabelecimento e saem para comer sentados no chão. Geralmente é o papelão usado como base para pôr a quentinha que lhes serve de talher. Essa cena é muito triste. Parece que por aqui os índigenas são população de rua.
Uma vez eu disse "eles não são mendigos, são artesãos". Porque é forte demais vê-los tratados como sujeito indesejado pelas portas das comedorias a fora. 
   Fonte da Imagem: https://www.flickr.com/photos/francinetefroes
E é por isso que ver o casal de índios sentados à mesa, comendo sem pressa uma comida que claramente estava sendo servida a todos os outros clientes me tocou. 
Ao contrário do que nosso subconsciente aprendeu a pensar, índios são pessoas, não animais da terra. E tratá-los com a civilidade que aprendemos dos europeus não significa aculturá-los. 
A campanha pelo dia da consciência negra do governo diz que o lugar do negro é onde ele quiser, como negra, sei das dores da esclusão e da necessidade de se tratar da questão. Mas não podemos nos esquecer dos povos indígenas; aqueles que costumamos chamar de os donos da terra. 
Cuidar para que as conquistas sociais já alcançadas no país sejam também
consquistas para os povos indígenas é nosso dever de brasileiro. E isso pode começar com um ato de gentileza que é servi-los digninamente

Angra dos Reis, 18 de novembro de 2015.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Sobre a vida dos outros

Fonte da imagem:http://www.recantodasletras.com.br
/trovas/5205045
Olhando a vida dos outros, encontro soluções para tudo. Sei como reagir a cada situação adversa que encontrar no meu caminho, porque tenho uma tábua de exemplos e experiências dos outros para serem aplicados à minha realidade.

Ironias a parte, não se pode negar que é este o papel da literatura: contar uma história, através da qual seus leitores possam refletir sobre aquela realidade. A vida dos outros, embora descontextualizada para nós, acaba sendo um livro a ser refletido. Digo descontextualizado porque, por mais que entendamos e conheçamos a vida do outro, o contexto de vida dele é sempre mais subjetivo que objetivo; não é como os romances, em que os autores podem delimitar tempo, espaço e realidade histórico-social.

Bem, faço uso dessa contextualização toda para falar da vida dos outros que eu gosto de observar. Eu tento ser, por personalidade e por disciplina, diferente das pessoas que observo; não diferente das qualidades, mas diferente dos defeitos: carências, covardias, resignações...
Eu tenho as minhas – carências, covardias e resignações, mas travo uma batalha dia após dia, para não adquirir aquelas que vejo claramente nos outros.

Uma dessas muitas batalhas é travada para garantir que as pessoas me tratem, a mim – na minha frente ao menos – com respeito. É o mínimo que se pode esperar dos outros. Obviamente, que vocês pensarão: ‘é dando que se recebe’, sim! Isso é uma verdade! Mas nem sempre. Às vezes é com um pouquinho de ignorância que se conquista um pouco de respeito.
Comigo as pessoas devem ser, ao menos, gentis, cordiais, e se não forem aprenderão a ser. Ou relações serão cortadas: esse também é um jeito de conquistar respeito. É preciso ter ciência, convicção, de que respeito é um direito-dever. E não um privilégio de ricos, autoridades e homens. Esse último então...

Ah, meninas! Não deixem que os homens lhes ofereçam menos que respeito. É um direito-dever deles também. Eles merecem ter ,não porque são homens, mas porque são gente; mas  têm a obrigação de dar a quem quer que seja, e a nós, mulheres também. Os gurus do relacionamento dizem que numa relação a dois é preciso ceder um pouco, mas grande parte dessa cessão vem da mulher- é o que se verifica por aí. Isso é falta de respeito, uma relação a dois – seja amorosa ou não – deve ser baseada na igualdade, e se um cede demais, para o bem do outro, esse mesmo um está sendo desrespeitado.

Então, meninas do meu coração, não deixem que eles sejam desrespeitosos: exijam que eles apóiem seus sonhos, respeitem suas relações outras, respeitem sua inteligência e seu corpo. Nada corta mais o meu coração que ver amigas e conhecidas se diminuindo só para que seus homens se sintam mais confortáveis. Alguns dirão: ‘é uma escolha delas’. Mas que escolha é essa, em que eu não posso ser eu, não posso sonhar com o que quero ser, só porque o outro precisa se sentir melhor em relação a mim? Eu não acredito num mundo assim, se ele fosse bom, muitas mulheres não teriam se revoltado desde sempre.

E o que isso tem a ver com a vida dos outros... Bem, eu vi isso dias atrás, e vejo isso vez por outra acontecer com pessoas próximas, não me julguem: pois já fiz a minha parte, já conversei. Mas como dito, as razões pelas quais as pessoas escolhem permanecer nisso é sempre mais subjetiva que o contexto pode mostrar.

Angra dos Reis, 21 de julho de 2015.


sexta-feira, 10 de julho de 2015

Festa da Padroeira

Fonte da imagem: facebook/santaisabelreformada
É chegada a hora de arrumar a casa, encontrar velhos amigos e reviver várias histórias. É tempo de festa, festa de Santa Isabel.

Todos os anos isabelenses e amantes do distrito esperam ansiosamente pelo mês de julho, que com ele traz a festa da padroeira. É um momento de celebração em família. Não só da família em que se nasce, mas também da família que reside, ou residiu, num lar que tem por nome Santa Isabel do Rio Preto.

As meninas vestem suas melhores roupas (de frio), os meninos preparam suas melhores aventuras, e os adultos... Ah os adultos! Estes redobram forças para lembrar suas melhores histórias de passado, para que possam compartilhar e rememorar com os conterrâneos dispersos em cidades da região e de todo o Brasil.

A festa da Padroeira, embora em tempo de inverno, traz consigo o calor do aconchego que se recebe ao chegar a casa, do abraço do amigo distante, dos novos causos que a vida traz e do doce calor dos reencontros.

Não é exagero pensar que um isabelense abre mão de qualquer programa por um final de semana da festa, pois para ele o mundo encontra-se ali, naquele belo lugarejo onde o passado está guardado e pleno de boas lembranças. Para muitos estrangeiros, Santa Isabel é só mais uma “cidadezinha qualquer” – de Drummond. Mas para um isabelense, Santa Isabel é a capital do mundo, lugar em que tudo se pode encontrar: preciosos ovos caipiras, doces delícias das avós e, claro, valiosas e inesquecíveis amizades de infância.

Então, se você estrangeiro não compreende a inquietação que toma o coração de seu colega isabelense nesses tempos de julho, tome a estrada e siga para o distrito de Santa Isabel do Rio Preto, no dia 13 de julho. Não se acanhe, será bem-vindo, pois só assim será capaz de experimentar e compreender a magia da Festa da Padroeira.

Texto de 2013

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Aos menores o menor: espaço, direito, respeito...

A discussão a respeito da redução da maioridade penal tem tomado conta dos assuntos de cafézinho por aí, seja por meio de discussão proposta pelos meios de comunicação, seja através de conversas 'espontâneas' que surgem entre pessoas que se reunem.  O fato é que, ontem em sessão plenária na Câmara Federal, o texto que pretendia reduzir a maioridade para crimes hediondos não passou. Não sendo aquele o texto original, a discussão continuará em torno do assunto, já que agora a proposta é reduzir a maioridade para todos os crimes. 

Mas em meio a toda essa discussão, o que mais me chama a atenção nisso tudo é a capacidade que as pessoas têm tido de olhar o assunto como um problema induvidual e não social, as pessoas dizem que se a maioridade não for reduzida o sentimento de impunidade vai continuar... Mas meu Deus! A impunidade atinge muito mais aos maiores que os menores, e mais, a punidade atinge muito mais às camadas mais baixas da sociedade que as altas. 

Ninguém quer enxergar que só vai para a cadeia e nela fica, o coitado que não tem quem o defenda exclusivamente num tribunal. Aquele que pode pagar por um bom advogado continuará usando das brechas da lei para se manter longe das grades. Não será diferente para o filho dessa mesma gente que pode se defender. 

O menor infrator que comete grandes crimes é sim privado de sua liberdade e jogado em presídios, porque é isso que essas instituições de ressocialização são: ora mais humanas, ora menos, mas são prisão. E não deve haver nada mais desolador para um jovem cheio de energia, desejos e sonhos, que estar privado de sua liberdade. Sim, eles têm sonhos, embora saibam que a sociedade espera e trabalha para que seus sonhos se frustrem e que eles sejam só aquilo que a maioria dessa gente reacionária espera que eles sejam: menores infratores. 

O menor infrator é produto criado por essa sociedade de consumo, em que o pai não consegue mais explicar ao filho que é impossível  ganhar salário mínimo e equipar a casa e as pessoas da casa com todos os eletrônicos que há aí para serem adquiridos por todos. É fácil dizer que é falta de responsabilidade dos pais, que eles têm de educar seus filhos de acordo com sua realidade, mas as pessoas se esquecem de que vivemos numa nova época, na qual os estímulos pelo prazer imadiato são incessantes; criamos chocólatras, workaholics, shopaholics...  todos esses 'aholics' são desenvolvidos para manter viva a sociedade de consumo.

Fonte da Imagem: http://desacato.info/destaques/
estudantes-fazem-blitz-no-congresso-
contra-a-reducao-da-maioridade-penal/
 Há 15 anos atrás eu ainda compreendia o que era falta de dinheiro, porque fui ensinada a entender minha realidade, mas sobretudo porque não houve naquela época internet e televisão forte o bastante para contradizer a educação que recebi.

Dizer que o Estado erra por não prover uma educação suficientemente boa para que esses jovens sem perspectivas escolham o caminho mais digno é ser redundante, sim o Estado falha, mas falha também o pai que desobedece a orientação da professora de pré, que num bilhetinho solicita aos responsáveis para que não mandem seus filhos à escola com brinquedos fora do dia, muito menos com brinquedos caros. Essa gente que pode se mostrar para aqueles que têm menos, são os primeiros a condenar os menores pela cobiça, mas não fazem sua mea culpa pela vaidade. 

As pessoas se esquecem de que o mundo, da maneira que aí está, fora criado e que , ao contrário do que muitos pensam, não fora sempre assim. Somos gado, levados a seguir o caminho traçado pela cerca, e ensinamos a nossos menores que assim deve ser. Portanto, não  se deveria querer que o menor do outro, o menor pobre e sem condições sólidas para transformar sua história, deva ser punido por querer ter como os outros menores que se expoem por aí. 

É fácil dizer que cometer um crime é uma escolha, mas não há escolha quando as condições são únicas. É fácil esquecer a depressão que agride às pessoas justamente por não poderem ter o que lhes é oferecido o tempo todo, por não poder ser o que é lhes cobrado a todo tempo... Porque a depressão é uma doença de ricos incompreendidos; o pobre que trabalha, que fica desempregado e que recebe os mesmos estímulos que o rico incompreendido não tem direito de se deprimir, de se revoltar e de querer ter o que aparentemente todos têm... 

O menor pobre não tem direito... porque as leis que punem e impunem são sempre aplicadas às mesmas pessoas.


quinta-feira, 25 de junho de 2015

Português para leigos

As aulas de Linguística me ensinaram que todo falante de Língua Portuguesa conhece a Língua Portuguesa, me ensinaram também que em relação à língua não deve haver juízo de valor; mas esse conhecimento só tem quem frequenta a academia e quem se interessa pelo assunto de maneira livre, ou seja, desprovida de preconceitos. Digo isso porque, sendo todos os falantes de língua conhecedores de seu idioma, não é raro ouvir conversas especializadas a esse respeito, mas ao contrário do que deveriam, essas conversas são carregadas de ideias pré-concebidas.

O professor de língua é sempre requerido para solucionar problemas gramaticais, mas nunca problemas de cunho sociológico, e isso representa uma grande perda para as discussões, já que não há fato mais social que a língua, a linguagem, a comunicação. Ao falar de língua no Brasil - acredito que em todos os países que herdaram uma língua de outra pátria, mas não posso afirmar - as pessoas geralmente têm dois objetivos: resolver problemas gramaticais, como já dito, e criticar a fala do brasileiro. Ah, mas não é de todo brasileiro! Só se critica a fala do brasileiro mambembe, o brasileiro de origem europeia deve ser excluído da crítica.
Fonte da imagem: http://www.mundolusiada.com.br/cultura/
seminario-no-rio-aborda-cidades-capitais-do-antigo-imperio-portugues/

Pois bem, vou chover no molhado, mas vou falar! A Língua Portuguesa é uma só, e ela é a língua falada em Portugal, mas mesmo assim, nas terras d'além mar ela sofre muitas variações. No Brasil se fala o Português Brasileiro, assim como em Moçambique há o Português Moçambicano, em Cabo verde o Cabo-verdeano, e por aí vai. E não diferente da Língua Portuguesa, ou Português de Portugal, o Português Brasileiro sofre suas variações, estruturais, lexicais e pasmem: sociais!

Sim, a língua varia socialmente! Porque ela  reflete a sociedade na qual ela é falada. Um exemplo disso tive essa semana. Leciono no Estado do Rio em uma comunidade reduto de nordestinos, por isso minha sala de aula é riquíssima em variação regional: baianos, pernambucanos, paraibanos, maranhenses: um mundo. Bem, passei uma atividade de escrita à classe e ao término dela, corrigi a de cada aluno. Um deles, do Pernambuco, fez uso de uma estrutura um tanto inadequada para a linguagem escrita, embora não houvesse incorreção ortográfica. Eu olhei, reolhei, e quis corrigir a estrutura selecionada pelo rapaz, mas não pude, porque eu sabia que ali havia uma marca regional que eu não podia tirar dele, e ninguém pode. Pois bem, expliquei a ele, que não corrigiria os termos, por saber ser traço regional, mas pedi que ele atentasse para o fato de que em documentos formais ele deveria evitar essas marcas; o rapaz é muito sábio e de fato sabe fazer essa diferença, por isso confiei a ele a decisão de seleção....

As histórias são muitas, mas para não me prolongar - olhem o uso dos meus pronomes - gostaria muito que as pessoas soubessem que não há no Brasil um Português melhor que o outro. Não ponham o Sul nas alturas e os mano de São Paulo no chinelo, a língua falada é uma digital social, que gramática nenhuma pode remover de seu falante. Sim: a escola tem seu papel de ensinar a língua formal, a adequação da linguagem de acordo com a situação e a ortografia, na qual erro sempre será erro, mas devemos evitar esse pedantismo de querer ser Português de Portugal ou uma cópia fiel dele. 

Somos brasileiros e devemos, reconhecer, falar e respeitar a nossa língua, sem descréditos!